sábado, 3 de julho de 2010

FIM DA FESTA - REFLEXÕES

O Brasil está fora das finais da 19a. Copa do Mundo de Futebol. Camus já havia dito que o futebol imita a vida, então cabe sim uma reflexão sobre esse momento do futebol. O momento do futebol no mundo, reflete a sociedade em que vivemos. Explico:

O futebol se internacionalizou no começo do século XX, em grande parte pelo imperialismo inglês que exportava sua cultura aos quatro ventos do mundo. O futebol inglês sempre foi algo de burocrático com bolas alçadas na área e lançamentos longos. Reflete o pragmatismo de seu pensamento, lingua, cultura. Quando chegou no Brasil, em especial no eixo Rio-SP, ele sofreu uma transformação devido ao multi-culturalismo dessas regiões, as colônias europeias e arabes, os africanos descendentes (ou ex-escravos ainda), os colonos ibéricos e os índios transformaram o esporte em algo muito mais improvisado, com uma gama de recursos infinitamente maior. A criação da FIFA se opõe ao modelo de colonização inglesa, que não aceitou federações não britânicas praticando o esporte. Durante a primeira metade do século XX houve duas ligas "mundiais", a britânica (só com países colonizados pela Bretanha) e a FIFA (com quem quisesse "chegar").

O Brasil disputou as duas primeiras copas em disputas das federações cariocas e paulistas que dividiram o time que teve participações pífias. O Mundial de 1938 conderoca a paixão brasileira com um terceiro lugar. Após a Segunda Grande Guerra, tivemos uma copa no Brasil, onde foram construídos os maiores estádios do mundo até então (Mineirão e Maracanã). Se em 1938, nós perdemos por excesso de "respeito" ("complexo de vira-latas", como definiu o maior cronista esportivo que esse país já teve, Nelson Rodrigues) em 1950 perdemos por excesso de confiança (país em crescimento, industrializando-se, exportando cultura), agravado por um 6x1 na Belgica e um 7x1 na Espanha no quadrangular final onde o Uruguai havia ganho de 2x1 da Belgica e emaptado em 1x1 com a ESpanha. O empate bastava na final que reuniu 204 mil pessoas no Maracanã, logo no começo 1x0, para a virada uruguaia que ficou conhecida como "Maracanazo". O complexo de vira-latas permaneceria até 1958, com o surgimento da dupla Garrincha e Pelé que nos garantiu o nosso auto-respeito e o Bi-campeonato. Em 1970, uma seleção com quatro camisas 10 no time titular ganha todos os jogos dando espetáculo. Em 1978 saiu invicta eliminada por uma manipulação de resultados. Em 1982, uma seleção vistosa, mágica, prazerosa com Zico, Sócrates e Falcão, perde para uma Itália desacreditada e fica nossa maior cicratiz na história do futebol. A redenção dos pragmáticos. Jogar bonito, improvisado, livre não dá resultados. O ápice disso foram as Copas de 90-94, a primeira, onde o técnico não convocou o melhor meia do país à época (Neto) e não levou ninguém no lugar, resultado: eliminado nas oitavas pela Argentina, com assistência de Maradona, a segunda, fomos campeões com a tática "toca pro Romário". Esse resultado amplia essa discussão do futebol arte x futebol de resultados, pois voltamos a ganhar a Copa jogando feio. Jogando bonito, mas sem o mesmo encanto de outrora fomos vice em 1998 e campeão em 2002, ambas com magistral atuação de Ronaldo. Em 2006 tivemos uma geração imbátivel para defender a taça, havíamos ganhado tudo, dando espetáculo com os malabarismos de Ronaldinho, a precisão da nossa defesa, os gols de Ronaldo, a taça era nossa... Só esquecemos de jogar... O clima de já ganhou foi o "culpado", volta Dunga (o volante de 1990/1998). Volta o futebol pragmático. Resultado: campanha quase idêntica a 2006, ganhou tudo antes e foi eliminado nas mesmas quartas de final.

Reclamamos muito da escalação de Dunga, mas se não aparece a dupla de moleques da Vila Belmiro, os "corneteiros" não teriam nem quem sugerir no lugar, ou seja, se fizessemos um selecionado hoje, nossa convocaçao seria muito parecida com a do Zangado, digo Dunga. Esse é o problema, nosso futebol sempre se dividiu entre o modelo europeu (futebol físico, objetivo, pragmático, feio mas de resultados) e o modelo sulamericano (futebol leve, rápido, improvisado, de lances plásticos, mas que "descobre" a defesa, portanto correndo mais riscos). O problema é que a colonização financeira falou mais alto. Hoje nossas crianças não jogam futebol na várzea, na rua, descalço, com bolas de meia, jogam com bolas oficiais e chuteiras em gramados sinteticos ou quadras das escolinhas. Com isso, perdemos em improviso, em leitura de jogo, em plasticidade. Ainda que involutariamente, adotamos o futebol europeu. Hoje não temos camisas 10, a ponto da população clamar por um jogador que havia aparecido há três meses antes da Copa. Mesmo com cinco taças no Brasil, adotamos o modelo deles e perdemos, em todos os sentidos. O complexo de vira-latas aliado a uma ultra-padronização da nossa sociedade, com modelos rígidos e substituíveis, onde somos cada vez mais peças, cada vez menos homens, brasileiros...

Curiosamente, no caminho oposto, temos a Alemanha que só não participou da primeira copa por boicote e da 50 porque seu país estava destruído. Foi campeã três vezes, vice em quatro e semifinalista em outras quatro. Ou seja, em quase todas as suas participações chegou nas finais. Ou melhor, metade dela. Os três títulos foram conquistados pela Alemanha Ocidental. Sempre foram conhecidos pelo futebol feio, duro, mas extremamente efetivo (entre os cinco maiores artilheiros da Copa, temos dois brasileiros (Ronaldo e Pelé), um francês e dois alemães (Muller e Klose). Hoje vemos uma Alemanha realmente unificada pelo futebol. Uma sociedade politicamente correta, rígida, fria, traumatizada pelo maior genocídio étnico de nossa época (sim teve maiores), vemos um povo alemão que festeja, apoia seus times, suas seleções, com festas únicas no estádio. A seleção quando joga há uma espécie de momento onde é permitido sentir, ser feliz, cantar, empurrar, apoiar. Isso acontece também na liga alemã, onde os ingressos são baratos e todos cantam o jogo inteiro. Na seleção quando isso não ocorre, prontamente se canta: "Steh' auf, wenn Du Deutscher bist", ou algo como "se você é alemão, levanta-se!" conclamando os espectadores a serem torcedores ("fan-support" em inglês, ou seja, fã que suporta, apoia), grito adaptado da torcida do Schälke 04, time de maior torcida da Alemanha, que está há mais de 50 anos sem títulos. Isso, aliado a um país que tem medo de ser chamado de racista, formou uma seleção de poloneses, brasileiros e ganes naturalizados com alemães de origens diversas. Uma seleção multirracial, com ginga, raça, força, apoio e uma bandeira. Querem, que pela primeira vez a Alemanha unificada seja campeã. Acreditam, em algo que nós acreditamos. O futebol é alegria, é paixão, é sentimento (alegria ou tristeza), é nação. Um futebol, solto, bonito, que se não levar a taça, já cumpriu sua missão...

Enquanto isso, nos já iniciamos nossa tradicional caça as bruxas, em busca do titulo em casa daqui há quatro anos... Se nos não mudarmos nosso jeito de ver a vida, a sociedade e por consequencia, o futebol, acho dificil... Já diria Proust, em busca do tempo perdido...