Esse é um espaço de reflexões, sugestões, poesias, poemas, literatura em geral, música, arte, política, ativismo e de qualquer coisa que eu ache que possa ser relevante compartilhar com as pessoas. Boa leitura. Espero poder contribuir.
terça-feira, 19 de novembro de 2013
segunda-feira, 18 de novembro de 2013
Como endireitar um esquerdista
Frei Betto*
Ser de esquerda é, desde que essa classificação
surgiu na Revolução Francesa, optar pelos pobres, indignar-se frente à
exclusão social, inconformar-se com toda forma de injustiça ou, como
dizia Bobbio, considerar aberração a desigualdade social.
Ser de direita é tolerar injustiças, considerar os
imperativos do mercado acima dos direitos humanos, encarar a pobreza
como nódoa incurável, julgar que existem pessoas e povos intrinsecamente
superiores a outros.
Ser esquerdista – patologia diagnosticada por Lênin
como “doença infantil do comunismo” – é ficar contra o poder burguês até
fazer parte dele. O esquerdista é um fundamentalista em causa própria.
Encarna todos os esquemas religiosos próprios dos fundamentalistas da
fé. Enche a boca de dogmas e venera um líder. Se o líder espirra, ele
aplaude; se chora, ele entristece; se muda de opinião, ele rapidinho
analisa a conjuntura para tentar demonstrar que na atual correlação de
forças...
O esquerdista adora as categorias acadêmicas da
esquerda, mas iguala-se ao general Figueiredo num ponto: não suporta
cheiro de povo. Para ele, povo é aquele substantivo abstrato que só lhe
parece concreto na hora de cabalar votos. Então o esquerdista se acerca
dos pobres, não preocupado com a situação deles, e sim com um único
intuito: angariar votos para si e/ou sua corriola. Passadas as eleições,
adeus trouxas, e até o próximo pleito!
Como o esquerdista não tem princípios, apenas
interesses, nada mais fácil do que endireitá-lo. Dê-lhe um bom emprego.
Não pode ser trabalho, isso que obriga o comum dos mortais a ganhar o
pão com sangue, suor e lágrimas. Tem que ser um desses empregos que
pagam bom salário e concedem mais direitos que exige deveres. Sobretudo
se for no poder público. Pode ser também na iniciativa privada. O
importante é que o esquerdista se sinta aquinhoado com um significativo
aumento de sua renda pessoal.
Isso acontece quando ele é eleito ou nomeado para
uma função pública ou assume cargo de chefia numa empresa particular.
Imediatamente abaixa a guarda. Nem faz autocrítica. Simplesmente o
cheiro do dinheiro, combinado com a função de poder, produz a imbatível
alquimia capaz de virar a cabeça do mais retórico dos revolucionários.
Bom salário, função de chefia, mordomias, eis os
ingredientes para inebriar o esquerdista em seu itinerário rumo à
direita envergonhada – a que age como tal mas não se assume. Logo, o
esquerdista muda de amizades e caprichos. Troca a cachaça pelo vinho
importado, a cerveja pelo uísque escocês, o apartamento pelo condomínio
fechado, as rodas de bar pelas recepções e festas suntuosas.
Se um companheiro dos velhos tempos o procura, ele
despista, desconversa, delega o caso à secretária, e à boca pequena se
queixa do “chato”. Agora todos os seus passos são movidos, com precisão
cirúrgica, rumo à escalada do poder. Adora conviver com gente
importante, empresários, ricaços, latifundiários. Delicia-se com seus
agrados e presentes. Sua maior desgraça seria voltar ao que era,
desprovido de afagos e salamaleques, cidadão comum em luta pela
sobrevivência.
Adeus ideais, utopias, sonhos! Viva o pragmatismo, a
política de resultados, a cooptação, as maracutaias operadas com
esperteza (embora ocorram acidentes de percurso. Neste caso, o
esquerdista conta com o pronto socorro de seus pares: o silêncio
obsequioso, o faz de conta de que nada houve, hoje foi você, amanhã pode
ser eu...).
Lembrei-me dessa caracterização porque, dias atrás,
encontrei num evento um antigo companheiro de movimentos populares,
cúmplice na luta contra a ditadura. Perguntou se eu ainda mexia com essa
“gente da periferia”. E pontificou: “Que burrice a sua largar o
governo. Lá você poderia fazer muito mais por esse povo.”
Tive vontade de rir diante daquele companheiro que,
outrora, faria um Che Guevara sentir-se um pequeno-burguês, tamanho o
seu aguerrido fervor revolucionário. Contive-me, para não ser indelicado
com aquela figura ridícula, cabelos engomados, trajes finos, sapatos de
calçar anjos. Apenas respondi: “Tornei-me reacionário, fiel aos meus
antigos princípios. E prefiro correr o risco de errar com os pobres do
que ter a pretensão de acertar sem eles.”
Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.
Fonte: http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=9381&cod_canal=53
Fonte: http://amaivos.uol.com.br/amaivos09/noticia/noticia.asp?cod_noticia=9381&cod_canal=53
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