sábado, 30 de agosto de 2014

"Todos os poderes saíram do povo porque é somente o povo que pode dar a força"

"Ontem estava mais angustiado que goleiro na hora do gol" já diria Belchior. e fui ler para refletir ("de bucho mais cheio comecei a pensar que me organizando posso desorganizar, que eu desorganizando posso me organizar", obrigado Chico Science) e refletindo sobre a confusão sobre o conceito anarquista (e algumas aberrações como os “ancaps”) em deparo com o seguinte texto de 1922 escrito por Enrico Malatesta no Anarquismo e Anarquia*:

"A intolerância frente à opressão, o desejo de ser livre e de poder desenvolver completamente a própria personalidade até o limite, não bastam para fazer de alguém um anarquista. Esta aspiração à liberdade ilimitada, se não for combinada com o amor pelos homens e com o desejo de que todos os demais tenham igual liberdade, pode chegar a criar rebeldes, que, se tiverem força suficiente, se transformarão rapidamente em exploradores e tiranos.

Há indivíduos fortes, inteligentes, apaixonados, com grandes necessidades materiais ou intelectuais que, encontrando-se por acaso entre os oprimidos, querem, a qualquer custo, emancipar-se e não se ofendem em transformar-se em opressores: indivíduos que, sentido-se prisioneiros na sociedade atual, chegam a desprezar e a odiar toda a sociedade, e ao sentir que seria absurdo querer viver fora da coletividade humana, buscam submeter todos os homens e toda a sociedade à sua vontade e à satisfação de seus desejos. Às vezes, quando são pessoas instruídas, consideram-se super-homens. Não se sentem impedidos por escrúpulos, querem “viver suas vidas”. Ridicularizam a revolução e toda aspiração futura, desejam gozar o dia de hoje a qualquer preço, e à custa de quem quer que seja; sacrificariam toda a humanidade por uma hora de “vida intensa” (conforme seus próprios termos). Estes são rebeldes, mas não anarquistas. Têm a mentalidade e os sentimentos de burgueses frustrados e, quando conseguem, transformam-se em burgueses, e não dos menos perigosos. Pode ocorrer algumas vezes que, nas circunstâncias dinâmicas da luta, os encontremos ao nosso lado, mas não podemos, não devemos e nem desejamos ser confundidos com eles. E eles sabem muito bem disso. Contudo, muitos deles gostam de chamar-se anarquistas. É certo - e também deplorável. Nós não podemos impedir ninguém de se chamar do nome que quiser, nem podemos, por outro lado, abandonar o nome que sucintamente exprime nossas ideias e que nos pertence lógica e historicamente. O que podemos fazer é prevenir qualquer confusão, ou para que ela se reduza ao mínimo possível".

*célebre anarquista italiano que cunhou a frase "Todos os poderes saíram do povo porque é somente o povo que pode dar a força" (in "O estado Socialista" de 1897) frase essa que serviu de inspiração a Miguel Battaglia ao cunhar o lema de fundação do SC Corinthians Paulista: "Esse é o time do povo e é o povo que vai fazer esse time" em 1910. Hoje o futebol moderno e a vontade de ganhar dinheiro (ou títulos no futebol) tentam acabar com esse ideal mas teremos que lutar muito, pois a liberdade de “ficar sem rico” sem o Estado atrapalhar é um discurso sedutor e perigoso que contagia até as principais vítimas dele como Malatesta já identificara há quase 100 anos.