sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Sobre a tarifa zero e sua viabilidade.

Como após novo aumento de passagens as jornadas nas ruas protestando contra os aumentos surgem diversos questionamentos. Alguns são meros exercícios retóricos de governistas desesperados por não conseguirem cooptar movimentos horizontais e outros são pertinentes, como aonde virá o dinheiro e sobre se é possível existir uma tarifa zero em São Paulo. Vivi a minha vida toda na periferia paulistana e já trabalhei como fiscal dentro do sistema de transporte. Então vi a realidade do que é ter pessoas que simplesmente não podem se locomover até para procurar emprego sem antes se humilhar para o motorista decidir se ele pode ou não se locomover. Numa realidade tão abismal como a cidade de São Paulo que concentra aproximadamente 15% do PIB nacional em cinco distritos e às margens (como gosta de dizer o pessoal da Zona Sul, do lado de lá do Rio) qualquer dinheiro é relevante sim. Já vi famílias inteiras sustentadas com salário mínimo ou até menos.

Segundo estudo que saiu hoje, uma pessoa que ganha salário mínimo precisa trabalhar 14 minutos por dia para apenas se locomover. Existe um engodo retórico que é dizer que vale transporte e passe estudantil não saem (sairão mais) do bolso do cidadão. Isso é uma meia verdade, pois o empregador cobra 6% do salário do empregado e quem ganha pouco mais de três salários mínimos não tem o direito (os seis por cento já são o valor integral). Sobre o estudante, esse "passe livre" é apenas para estudantes de baixa renda se locomoverem até  escola (48 viagens/mês). E ainda desconsiderando isso, ninguém faz mais nada na cidade além de estudar e trabalhar? Ninguém vai no parque, cinema, teatro, shows, visitar amigos e parentes entre outras coisas? A vida então se resume a estudar e trabalhar?

E fora esse artigo da lei dos vale transportes: "ARTIGO 3º - Sem prejuízo da dedução como despesa operacional, a pessoa jurídica poderá deduzir, do imposto de renda devido, valor equivalente à aplicação da alíquota cabível do imposto de renda sobre o valor das despesas comprovadamente realizadas, no período-base, na concessão do Vale-Transporte, na forma em que dispuser o regulamento desta Lei". Ou seja, o patrão deduz do imposto dele, sendo assim, todos nós pagamos o vale transporte e não o "caridoso" empregador.

A tarifa zero para a maioria das pessoas que moram em São Paulo seria ter o direito a cidade conquistado, garantido. Pois não adianta fazer um show de graça no centro, por exemplo, se a maior parte da população que não pode pagar não poderá ver o mesmo? É a garantia plena do direito de ir e vir. Outro argumento comum é que inexistente isso no resto do mundo. Se isso fosse verdade, qual o problema seria em ser o primeiro? Antes do Canadá não existia no mundo sistemas unificados e públicos de saúde, hoje isso é uma realidade em muitos lugares, incluindo o Brasil. Se aplicassem esse raciocínio lá isso ainda hoje não existiria. Mas cidades como Gibraltar (inteiro) e Sidney (parcial, possui linhas gratuitas e outras tarifadas com muito subsídio), fora casos como Paulínia (SP) e Maricá (RJ) no Brasil que já tem sistemas públicos gratuitos confrontando com o sistema privado pago.

Segundo declarações recentes do prefeito de São Paulo, a tarifa zero em São Paulo custaria seis (6) bilhões de reais e grande parte disso seria através do CIDE, imposto que incide sobre os combustíveis de nível federal mas que já tem grande parte repassada aos municípios e estados. A proposta de Haddad da municipalização do CIDE não resolve pois essa taxa arrecadou em 2012 em todo o país R$ 8 bilhões, fora R$ 6 bilhões de isenções (inclusive das empresas de ônibus), ou seja, 14 bilhões em todo o país. Caso seja municipalizado, ele seria de aproximadamente 1,4 bilhão/ano em São Paulo. Só isso, aliado ao 1 bilhão/ano que a prefeitura já subsidia, estaríamos com 2,5 bilhões/ano. A margem de lucro dos empresários de ônibus em São Paulo é de 18% em media, pois ela varia de 14% a 54% de acordo com a empresa.

Caso seja municipalizado e assim eliminando o lucro, o valor do transporte já cairia 1,2bi/ano. Ou seja, apenas com isso já teríamos 3,7bilhões dos seis bilhões que se precisa. Isso aplicado diretamente na tarifa atual a reduziria para R$ 1,35 imediatamente. Caberia ao poder público garantir mais 2,3 bilhões de reais, que em São Paulo significa que cada pessoa pagaria menos de R$ 200,00/ano a mais ou seja, cerca de R$ 16,00 mês/per capita. Resumindo, ao municipalizar a arrecadação da CIDE e municipalizar o serviço (excluindo a margem de lucro) ou teríamos a tarifa de R$ 1,35 ou restaria apenas cada cidadão paulistano pagar R$ 16,00 por mês para todos terem transporte público sem tarifação na catraca.

Ou seja, é plenamente viável. O que falta é vontade política de enfrentar uma máfia que é responsável pelo transporte no país todo. Falta vontade principalmente pelo simbolismo dessa causa. O direito de ir e vir e principalmente o direito de decidir o que mais importante para minha vida. A verdadeira democracia. A democracia direta e não de meia dúzia de (literalmente) eleitos que acham que podem decidir o que queremos ou não. Essa é a maior dificuldade do passe livre, os dois braços do poder (o Estado e o Poder privado de pouquíssimos poderosos) se sentem acuados ao ver que não será o interesse deles que se sobressairá e sim das pessoas, da organização popular e pior, horizontal, sem líderes para poder seduzir com pílulas de poder. Essa é a maior dificuldade. Não é por seis bilhões de reais e sim por toda uma noção de poder. Por isso as repressões violentas, por isso o desespero. Não é só por seis bilhões de reais, é por poder! E como nossa constituição diz: todo poder emana do povo. Então, tarifa zero já!

Fontes:
valor de R$ 6 bilhões
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/exclusivo-fernando-haddad-fala-sobre-marta-chalita-a-logica-do-mpl-e-o-caipirismo-do-psdb/

comparação com outras cidades do mundo
http://economia.uol.com.br/noticias/infomoney/2013/06/13/as-cidades-com-transporte-publico-mais-caros-e-mais-baratos-sp-e-rj-estao-na-liista.htm
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1575811-tarifa-de-onibus-em-sp-e-rio-esta-entre-as-mais-caras-do-mundo-diz-estudo.shtml?cmpid=%22facefolha%22

lucro empresas de ônibus de SP
http://oglobo.globo.com/brasil/em-1-ano-lucro-liquido-de-empresas-de-onibus-de-sp-aumentou-em-ate-2056-9605514
http://www.nossasaopaulo.org.br/noticias/auditoria-ve-margem-para-reduzir-taxa-de-lucro-de-empresas-de-onibus

arrecadação da CIDE/combustíveis
http://www3.tesouro.gov.br/estados_municipios/download/CartilhaCIDE.pdf

"passe livre" estudantil
http://www.capital.sp.gov.br/portal/noticia/5209

lei do vale transporte
http://www1.beneficiofacil.com.br/noticias.asp?log=8

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Por uma vida sem catracas.

Por uma vida sem catracas.

Hoje começa mais uma jornada contra o aumento da tarifa e pela ideia que o transporte seja um direito social (como saúde, educação e liberdade de opinião, por exemplo). Ou seja, pelo direito de ir e vir. Com 30 reais/mês per capita aproximadamente, TODAS as pessoas da cidade teriam garantido seu direito de ir e vir garantido e o legítimo acesso à cidade.

Quebrando a fronteira econômica as pessoas que tem. Quebrando o simbolismo da catraca, da barreira que impede o ser de se locomover pela fronteira do dinheiro.

 Quebra as fronteiras semióticas entre ricos e pobres. Donos da cidade e a população periférica, a margem dos centros que em cinco bairros paulistanos concentram 15% do PIB do país (pq vc acha o horror que Higienópolis tem do metrô? Seria o fim da cidade higienizada).

E ainda mais por um movimento horizontal que contesta o papel das lideranças, autoridades e afins. A quebra de outra barreira.

Por uma vida sem catracas
Por um vida sem barreiras
Por uma vida sem fronteiras
Por uma vida livre
Por uma vida de amor e mutualismo

Muito mais que a passagem. É a verdadeira democracia. Não só aquela de quem tem dinheiro para comprar a cidade e os políticos para servi lo. É pela liberdade. Às ruas...