domingo, 6 de junho de 2010

Música Contemporanêa - É triste não saber apreciar a arte de seu tempo

Nesse feriado, pela total falta de dinheiro tive a "oportunidade" de ficar em São Paulo e sexta estive no Teatro São Pedro assistindo ao concerto da III Oferenda Musical, um festival de música de Câmara realizado por Alex Klein, exímio oboísta (1o. oboé da OSESP), que dedicou-a a música contemporânea. Apesar dos "caríssimos" dez reais, como é de praxe em concertos com esse repertório, sobraram muitos ingressos. O próprio Klein, numa introdução que ele chamou de "prelúdio", numa pergunta feita por mim, colocou que a ausência desse público se deve ao fato da arte contemporânea se propor a tocar em sentimentos, valores e sensações mais profundas e que a grande maioria das pessoas não estão dispostas a sentirem. Concordo com ele, mas sinto pena de quem não pode estar lá...

O concerto começou com uma peça do compositor brasileiro Marlos Nobre (nascido em 1939) com uma interessantíssima formação de piano e harpas preparadas (com efeitos), tímpanos e flautas. Bela peça, agressiva e bela. Mas o que realmente me tocou, me fruiu, me chamou a atenção e me moveu a escrever esse texto foram as peças seguintes: Ancient Voices of Children, baseado num poema de García Lorca, escrita pelo compositor estadounidense George Crumb (1929)(que confesso, até então não conhecia), divida em cinco movimentos para soprano, menino soprano, piano e harpa (preparados), piano de brinquedo, três sets de percussão, serrote/bandolim, oboé/gaita, onde os cantores usavam diversos recursos de efeitos nas vozes (cantar da coxia, cantar sobre o piano, cantar sobre um cano. O poema fala sobre a morte, a morte na infância (o IV movimento se chama "Toda tarde morre uma criança em Granada"). A peça toca nas sensações mais profundas, realmente indizíveis, indescritíveis, sentimentos guardados e escondidos, de tão escondidos que não há palavras para descrevê-lo, onde só os sons (a música) podem chegar. Depois daquele momento, os presentes não eram mais os mesmos. Único e não racional, não intelectual, portanto indízivel. Alguém pode estar pensando: você está acostumado com essa música barulhenta, dissonante, atonal. Para provar que essa fruição é para todos, eu fui com um amigo que raramente vai a concertos e até então nunca havia visto um concerto de música contemporânea, após essa peça, ele só foi capaz de quebrar o silêncio para me dizer: "Estou tocado!". Após essa música, o intervalo mais silencioso que presenciei em todos esse anos frequentando concertos: poucos tinham algo para falar, estavam apenas sentindo.

Na volta a Sequenza VII para oboé e intervenção em si de Luciano Berio (1925-2003). A intervenção foi feita pela própria plateia a pedido do intérprete, o próprio Klein, que tocou essa peça de absoluta dificuldade (talvez a mais difícil do instrumento, já que essa era uma das propostas das Sequenzas, explorar sons nunca antes explorados para os instrumentos no qual foram compostas) sem partitura! Louvável. Após isso, veio a performance de 4'33'' de John Cage (1912-1992), no qual o(s) instrumento(s) no palco ficam em silêncio e os instrumentas fazem apenas três movimentos em momentos indicados na partitura, ou seja, uma performance. A ideia da peça é explorar os sons da plateia, os ambientes e poluições sonoras, provando que o silêncio na prática não existe. Como a plateia já conhecia a peça, ela interviu propositatamente e aplaudiu muito no final, mas quando a plateia não conhece, temos situações inusitadíssimas provocadas pela revolta daqueles que não querem ser o elemento ativo da obra (querem apreciar algo que vem do palco). Para encerrar essa récita, tivemos a Ópera Aberta de Gilberto Mendes (1922, este estando presente na plateia), ópera aleatória (com apenas a primera melodia escrita) para soprano, halterofilista (!!!!) e atores que exploram os sons do movimento da performance (a ópera é um verdadeiro happening) e a soprano intervindo com melodia de óperas clássicas. Grandes movimentos de luzes, cênicos e é claro de sons. Bastante fruidora também...


Fui jantar depois, feliz por ter participado desse momento e pensando, apesar de tudo sou feliz por viver no tempo em que vivo e poder sentir isso, mas fico triste de saber que sou parte de uma ínfima minoria...

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