domingo, 21 de maio de 2017

Viver em São Paulo sem perder a sensibilidade

Cidade dura, invidualista e cada vez mais cinza
Indo trabalhar, fone de ouvido e angústia individual
Passo firme e acelerado para poder comer antes
de vender sua trabalho que ontem seria
zelar a sala numa oficina de poesia

A poesia que está na rua, está nos olhos
muitas vezes quase não sentimos ou vemos
Passo por um músico de rua e seu violino
tiro o fone de ouvido com sua música mecânica
e o Beastie Boys dá lugar ao noturno de Chopin

Contribuo com dinheiro no estojo e paro para ouvir
meu tempo apertado haveria de esperar cinco minutos
para ouvir aquela música que comunicava com a angústia
dos dias e dos tempos e também do indivíduo atual

Outra pessoa repete o rito e a música angustiada
que estava solitária e opaca ganha seu brilho
A parte B da música vira uma vida, uma esperança
e mesmo a repetição do A ainda triste, mas agora, vivído!

O noturno tornou a dor em esperança e brilhava em nós
que não estávamos mais sós, em tempos sombrios
nem a canção tocava pro nada, nem nós eramos nada

Após nossos aplausos seguimos nossos rumos
sem saber nossos nomes, sem ouvir as outras canções
mas aquele triste Chopin tornou todos um só

Vivemos a mesma dor, a mesma fuga e a mesma solidão
Assim aquelas notas da melodia não foram em vão

Transformaram uma manhã de rotina numa esquina
da Vila Prudente em alimento para as almas que ali estavam

As almas que tocavam e que foram tocadas, músico e nós

Notas tocadas nos tocaram com aquela música, na manhã que mudou.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

A queda do clube do povo

Ontem como torcedor de um rival acirrado do colorado gaúcho me senti vingado por 2007 e pelo DVD ou por toda a choradeira promovida pela atual diretoria. Mas hoje me deparo com essa pérola nessa nossa ostra. Então vou "falar sério"

Esse texto talvez explique para quem não vive o futebol a essência do pertencimento que ele promove. Trabalho há anos com arte, talvez o único estrato social que a paixão pelo futebol seja ignorada, por vezes menosprezada.

Quantas vezes, ouvi que não tenho perfil de torcedor, ainda mais corinthiano. Sempre relevo essa observação ultra preconceituosa que joga milhões num censo comum de ignorância, pois nunca tive perfil de nada, nem de artista, nem de professor, nem de torcedor.

Sempre fui um marginal, pois sempre sou um estrangeiro em ambientes que se auto pregam superioridade. Único momento que não me sinto assim é na hora do gol do Corinthians.

Naquele instante somos todos alegria. Somos todos um. Mesmo aqueles que odiamos nos abraçam, aqueles que nem se conhecem. Pois sabem e sentem que naquele momento, somos um.

Ler esse texto me veio muitas memórias afetivas, assistindo jogo com meu pai, fanático torcedor do alviverde da Rua Palestra Itália. A dor da queda (até às 18h03 de 2 de Dezembro de 2007 acreditava num milagre) foi como descrita pelo colega colorado no texto anexado.

O Internacional de Fernando Carvalho e Piffio, do DVD, da reclamação irresponsável ou da falsificação de documentos merece muito cair, como mereceu nosso Corinthians (aqui trato no plural mesmo) da MSI, do Dualib ou da piada homofóbica contra o rival mereceu a queda.

Mas essas coletividades choram a perca de uma insígnia. Mas pode recuperar ou terminar de aprofundar a diferença relatada pelo torcedor entre o consumidor que "sustenta" o clube e a paixão de milhões. que o clube do povo no sul, ou o time do povo em são Paulo revertem essa tendência de se tornarem soberbos colecionadores de troféus e sejam o que nasceram para ser, uma referência e alegria para seus povos.

Os times de todos. O time que o rádio passando seu jogo valha a pena de ser salvo tanto quanto a vida de seu filho. Afinal, o futebol se fez vida e não podemos deixar o mercado transformar ele apenas em números. Que o futebol volte a ser mais vida que números.

globoesporte.globo.com/blogs/especial-blog/meia-encarnada/post/inter-rebaixado-entre-telhas-e-fuzis.html

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Ontem torci pelo Nacional e o futebol, e vencemos


Ontem, apesar da televisão e grande mídia esportiva ignorarem, tivemos a final da Libertadores da América com o Atlético Nacional de Medéllin e Indepiendente Del Valle, equipe empresa chilena.

Quem acompanhou esse campeonato se encantou pelo futebol praticado pelos colombianos. Futebol bonito que vence com autoridade de quem controla o jogo conforme seus anseios. Não é aquele futebol kamikaze que todo fã de futebol adora ver (nos times alheios, óbvio). Conseguia defender com a beleza de um jab do Holyfield e ataca com a precisão de um Tyson. Só isso seria motivo suficiente para desejar que eles levassem a segunda taça. Afinal no futebol, os bons trabalhos não são referência mas os bons resultados. Times que jogam bem sempre ficam em confronto com times que anulam o jogo por conservadorismo. Nesse caso ganhou a equipe que jogou para ganhar e ganhou por merecer ganhar. Ontem ganhou de 1 a 0 perdendo pelo menos meia dúzia de chances claríssimas.

Outro motivo que me alegrou a vitória do alviverde colombiano foi sua relação com a torcida. No estádio Nacional de Médellin não há polícia, não há alambrado, a própria torcida faz o cordão de isolamento e a estratégia de segurança num raro caso de autogestão num esporte que prima pelo conservadorismo policialesco (ainda mais quem o acompanha de São "é proibido" Paulo). A vitória do time que a torcida literalmente apoia e protege. Como disse acima, esse modelo tinha que ser consolidado com "el sueño continental". E foi.

Um outro motivo que me alegrou nesse título também foi o fato deles se livrarem do asterisco. Para quem não sabe, durante os anos 1980 e começo dos anos 1990 dois carteis de venda de cocaína disputavam o poder na Colombia, gerando diversos conflitos que ficaram famosos no mundo inteiro. Cada cartel escolheu um time local, o de Cali, o Derportivo e o de Medellin, o Nacional, e esse último foi campeão em 1989 sob esse financiamento. Dificilmente alguém que não seja torcedor do Atlético lembra desse título sem essa "nota de rodapé".

Se libertaram da má fama, trouxeram um futebol vistoso e convincente e uma torcida no estádio apaixonante e auto gerida. Medelin está em festa e o mundo do futebol agradece.

Obrigado

sábado, 4 de junho de 2016

Tão lindo, belo e forte (Uma Elegia)


Tão lindo, belo e forte (Uma Elegia)

Cassius Clay era de um boxe lindo
entrava em luta sempre de guarda aberta
deixava os rivais encaixarem os golpes,

pois sabia que sua força vinha de dentro
Nada o derrubava, nem os ganchos do racismo
que o fizeram assumir sua luta

mudando de religião e de nome
e Mohammed Ali surge nocauteando o lugar
marcado para seus irmãos de luta

Belo em sua postura,
dentro dos ringues causava medo
e fora deles elevava o furor

Da luta que é viver em uma sociedade
marcada pelo preconceito e que ele
ídolo de uma geração era o sol

que ofuscava o olhos dos rivais
e iluminava a luta dos seus irmãos
que viam que apesar de oprimidos eram fortes

Forte como Ali que lutou contra Parkisson
não outro boxeador, mas a síndrome
custo alto de sua bela guarda aberta

Lutou como poucos e ficou como único
assim como o verso de Caetano, título
de lutador em todas as áreas da vida.

Hoje o corpo que tremia se foi
E ficou a bandeira que tremula
quando surge Ali, impávida

negra pantera que inspira.
a luta que prossegue
até o nocaute seguinte...

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

O paradoxo da vida e os porcos do Rodoanel


 O paradoxo da vida e os porcos do Rodoanel




Ontem ocorreu um acidente de caminhão e ele tombou no pedágio em Osasco à cerca de dois quilômetros do destino. E como o caminhão era grande, a remoção dele demorou horas.

A descrição acima seria uma nota de uma rádio de trânsito se não fosse um detalhe. A carga carregada era de seres vivos e conscientes. E que isso não foi o suficiente para que a operação se preocupasse com a "carga".

Quem me conhece há algum sabe quanto eu gostava de comer carne. Porém, o fator ético começou a me pesar e a cerca de três anos decidi "maneirar" o consumo dela e em pouco tempo, quase que inconscientemente eu aboli o hábito.  Hoje não a vejo mais como alimento e até o cheiro me incomoda.

Me incomodava (e ainda incomoda) o fato de que esse hábito significava confinar, envenenar,  estuprar e engordar um ser que tem plena consciência de sua vida. Condenar a escravidão espécies inteiras de animais porque eles têm pedaços saborosos e nosso rito romano exige sacrifício animal para obter prazer. E para isso se desmata florestas inteiras para plantação de soja geneticamente modificadas e a poluição dos lençóis freáticos e a morte dessas mesmas terras ou a destruição da camada de ozônio.

Isso é um preço muito caro e antiético para um pedaço de bacon ou de picanha escravizar espécies inteiras de animais em detrimento de outras. Moral essa aplicada entre humanos também (vide,  só para ficar num exemplo a polícia carioca proibindo negros pobres de frequentar as paradisíacas praias da zona sul. Ou seja, nada é mais presente na humanidade do que eleger um grupo e destratar outro, infelizmente).

Se fosse na Coreia, esse caminhão seria de cachorros e provavelmente a maioria absoluta das pessoas aqui estariam chocadas. Nossa ética parte da banalização do mal da Arendt. Absolutamente normal para algumas pessoas um trem passar sobre o corpo de um pobre que “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”, a polícia matar pobres para vingar a morte de colegas, Israel impedir comida e remédios de entrarem na Palestina ou alguém espancar seu filho até a morte por ele ser “afeminado”, entre muitos outros exemplos onde um grupo é desumanizado e logo é justificável “excluí-los” da sua sociedade “ideal”.

Fora da espécie ainda pensamos igual. É absolutamente normal uma pessoa ter um cachorro tratado como um semideus em casa enquanto almoça seu “indispensável” bacon. Ter tatuagens de gatos ou tigres e comer seu belo bife de picanha. E ainda pior, se incomodar com o vizinho que maltrata seu “pet” e ignorar bichos confinados, torturados, engordados à força, estuprados e ainda matar todo o ecossistema ao redor para que nosso “topo” da cadeia alimentar seja servido em saquinhos herméticos no supermercado mais próximo.

No caso dos porcos do Rodoanel o paradoxo maior é que eles nasceram de inseminação artificial (leia-se que alguém enfiou a mão na boceta da mãe dele e colocou o sêmen no óvulo dela), foi confinado, impedido de andar livremente, engordado (leia-se nutrido de forma exagerada), foi drogado com antibióticos e hormônios que ele não precisaria em vida afinal não estava doente, só de forma preventiva, cresceu preso e foi confinado num caminhão que trafegou horas com mais de 100 animais de 300 ou 400Kg amontoados e a cerca de duas horas de chegar na sua câmara de morte (abatedouro) numa manobra errada tombou.

Então durante metade de um dia foram tratados como carga dispensável e tentaram desvirar o caminhão com ele dentro (imagine que seu ônibus capote e a polícia rodoviária ao invés de te socorrer passa a tentar remover o mesmo com você dentro, vivo e ferido e derruba o ônibus em diversas tentativas, matando e ferindo outras pessoas no ônibus e você presenciando aquilo no escuro, ferido, com sede, fome e óbvio, muito medo), numa tortura similar a um crime de guerra. Mas essa tortura foi o que os salvou, dando visibilidade a essa rotina, já que nesse tempo eles foram resgatados e transferidos para um santuário de animais.

Ou seja, os piores momentos desses animais em vida foram indiretamente sua salvação. Já que se isso não tivesse acontecido, hoje seu cadáver seria uma feijoada ou um toucinho. Estranho paradoxo, mas ele foi quem salvou essas vidas e que hoje motiva as discussões e esse artigo. Que esse absurdo desastre seja o despertar de muitos para que absolutamente nada surge em nossas mesas, mãos ou casas, nem as próprias casas e fingir que não vê não torna a coisa menos horrível e não nos isenta da responsabilidade de que tudo o que fazemos está interligado e tem consequências, até seu lanche.

sexta-feira, 8 de maio de 2015

O futebol e a vida, onde tudo pode acontecer

O futebol e a vida, onde tudo pode acontecer
O grande lance do futebol que o torna um esporte admirado e amado em praticamente todo mundo é o imponderável. Cujas as apostas nem sempre ganham. Um lugar onde a soberba e o salto alto pagam preços altíssimos. Que nos mostra que por mais impossível que algo possa parecer, pode sim acontecer.
Tem que ter raça, tem que ter fé, tem que ter entrega, tem que ter qualidade, tem que ter respeito aos adversos. Nada disso garante o sucesso, mas sem eles é quase certo o fracasso. Assim como na vida. Se tudo está contra só a determinação e a fé para poder mudar.
Não é obrigação vencer. A obrigação é se entregar, é se jogar na vida. Lutar pelo acredita para que suas crenças virem realidade.
Nesse caso do vídeo: final da copa verde (entre times do norte e centro oeste do país) o time paraense fez 4@1 no primeiro jogo e já vendia en sua loja oficial a camisa de campeão. Na volta o Cuiabá fez 5@1, colocando um imponderável 6@5 no agregado e deixou a taça no centro oeste.
Queria deixar esse exemplo para o Corinthians quarta que vem. Os dois lados do exemplo, a soberba do resultado e a determinação de reescrever o destino do vitorioso.
Vencer não é nunca a obrigação, pois do outro lado também há um exército com esse propósito. Mas lutar, acreditar, se entregar, isso sempre. Soar sangue para fazer seus sonhos virarem realidade assim como na vida. Pode não ter o resultado almejado, mas você terá a certeza que fez o que deveria fazer.
Vamos jogar com raça e com o coração. É o time do povo, é o Coringão.
Parabéns matogrossenses por mostrar que sempre se deve ter fé e raça.
Miressem no exemplo daqueles homens de Cuiabá, Corinthians. Porque os soberbos merecem sempre a derrota e a raça, fé, determinação, vontade e luta quando juntas já são uma vitória. E só elas trazem a vitória


quinta-feira, 7 de maio de 2015

Não Seja professor por Vladimir Safatle

Não Seja professor
VLADIMIR SAFATLE
Folha de São Paulo, 5 de maio de 2015
Quem escreve este artigo é alguém que é professor universitário há quase 20 anos e que gostaria de estar neste momento escrevendo o contrário do que se vê obrigado agora a dizer. Pois, diante das circunstâncias, gostaria de aproveitar o espaço para escrever diretamente a meus alunos e pedir a eles que não sejam professores, não cometam esse equívoco. Esta "pátria educadora" não merece ter professores.
Um professor, principalmente aquele que se dedicou ao ensino fundamental e médio, será cotidianamente desprezado. Seu salário será, em média, 51% do salário médio daqueles que terão a mesma formação. Em um estudo publicado há meses pela OCDE, o salário do professor brasileiro aparece em penúltimo lugar em uma lista de 35 países, atrás da Turquia, do Chile e do México, entre tantos outros.
Mesmo assim, você ouvirá que ser professor é uma vocação, que seu salário não é assim tão ruim e outras amenidades do gênero. Suas salas de aula terão, em média, 32 alunos, enquanto no Chile são 27 e Portugal, 8. Sua escola provavelmente não terá biblioteca, como é o caso de 72% das escolas públicas brasileiras.
Se você tiver a péssima ideia de se manifestar contra o descalabro e a precarização, caso você more no Paraná, o governo o tratará à base de bomba de gás lacrimogêneo, cachorro e bala de borracha. Em outros Estados, a pura e simples indiferença. Imagens correrão o mundo, a Anistia Internacional irá emitir notas condenando, mas as principais revistas semanárias do país não darão nada a respeito nem do fato nem de sua situação. Para elas e para a "opinião pública" que elas parecem representar, você não existe.
Mais importante para elas não é sua situação, base para os resultados medíocres da educação nacional, mas alguma diatribe canina contra o governo ou os emocionantes embates entre os presidentes da Câmara e do Senado a fim de saber quem espolia mais um Executivo nas cordas.
No entanto, depois de voltar para casa sangrando por ter levado uma bala de borracha da nossa simpática PM, você poderá ter o prazer de ligar a televisão e ouvir alguma celebridade deplorando o fato de o país "ter pouca educação" ou algum candidato a governador dizer que educação será sempre a prioridade das prioridades.
Diante de tamanho cinismo, você não terá nada a fazer a não ser alimentar uma incompreensão profunda por ter sido professor, em vez de ter aberto um restaurante. Por isso o melhor a fazer é recusar-se a ser professor de ensino médio e fundamental. Assim, acordaremos um dia em um país que não poderá mais mentir para si mesmo, pois as escolas estarão fechadas pela recusa de nossos jovens a serem humilhados como professores e a perpetuarem a farsa.
VLADIMIR SAFATLE

domingo, 26 de abril de 2015

Revolução não abona falta

Você pode até tirar os fascistas do poder, mas não então ponto abonando, não!
Poxa, não está tipificado faltas por revolução :(

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Ur Fascismo ("O Fascismo Eterno") por Humberto Eco

"O Fascismo Eterno"
Em 1942, com a idade de dez anos, ganhei o prêmio nos Ludi Juveniles (um concurso com livre participação obrigatória para jovens fascistas italianos – o que vale dizer, para todos os jovens italianos). Tinha trabalhado com virtuosismo retórico sobre o tema: “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?” Minha resposta foi afirmativa. Eu era um garoto esperto.

Depois, em 1943, descobri o significado da palavra “liberdade”. Contarei esta história no fim do meu discurso. Naquele momento, “liberdade” ainda não significava “liberação”.

Passei dois dos meus primeiros anos entre SS, fascistas e resistentes, que disparavam uns nos outros, e aprendi a esquivar-me das balas. Não foi mal exercício.

Em abril de 1945, a Resistência tomou Milão. Dois dias depois os resistentes chegaram à pequena cidade em que eu vivia. Foi um momento de alegria. A praça principal estava cheia de gente que cantava e desfraldava bandeirolas, invocando Mimo, o líder a resistência na área, em alto brado. Mimo, ex-suboficial dos carabinieri, envolveu-se com os partidários do marechal Badoglio e perdeu uma perna nos primeiros confrontos. Apareceu no balcão da Prefeitura, apoiado em muletas, pálido; tentou acalmar a multidão com uma mão. Eu estava ali esperando seu discurso, já que toda a minha infância tinha sido marcada pelos grandes discursos históricos de Mussolini, cujos passos mais significativos aprendíamos de cor na escola. Silêncio. Mimo falo com voz rouca, quase não se ouvia. Disse: “Cidadãos, amigos. Depois de tantos sacrifícios dolorosos...aqui estamos. Glória aos que caíram pela liberdade...”. E foi tudo. Ele voltou para dentro. A multidão gritava, os membros da resistência levantaram as armas e atiraram para o alto, festivamente. Nós, rapazes, nos precipitamos para recolher os cartuchos, preciosos objetos de coleção, mas eu tinha aprendido então que liberdade de palavra significa também liberdade da retórica.

Alguns dias depois vi os primeiros soldados americanos. Eram afro-americanos. O primeiro ianque que encontrei era um negro, Joseph, que me apresentou às maravilhas de Dick Tracy e Ferdinando Buscapé. Seus gibis eram coloridos e tinham um cheiro bom.

Um dos oficiais (o major ou capitão Muddy) era hóspede na casa da família de dois dos meus companheiros de escola. Sentia-me em casa naquele jardim em que alguns senhores amontoavam-se em torno ao capitão Muddy, falando um francês aproximativo. O capitão Muddy tinha uma boa educação superior e conhecia um pouco de francês. Assim, minha primeira imagem dos libertadores americanos, depois de tantos caras-pálidas de camisa negra, era a de um negro culto em uniforme cáqui que dizia: “Oui, merci beaucoup Madame, moi aussi j'aime le champagne...” Infelizmente, faltava o champagne, mas ganhei do capitão Muddy o meu primeiro chiclete e comecei mastigando o dia inteiro. De noite colocava o chiclete em um copo d'água para que ficasse fresco para o dia seguinte.

Em maio, ouvimos dizer que a guerra tinha acabado. A paz deu-me uma sensação curiosa. Haviam me dito que a guerra permanente era a condição normal de um jovem italiano. Nos meses seguintes descobri que a Resistência não era apenas um fenômeno local, mas Europeu. Aprendi novas e excitantes palavras como “reseau”, “maquis”, “armée secrète”, “Rote Kapelle”, “gueto de Varsóvia”. Vi as primeiras fotografias do Holocausto e assim compreendi seu significado antes mesmo de conhecer a palavra. Percebi que havíamos sido liberados.

Hoje na Itália existem algumas pessoas que se perguntam se a Resistência teve algum impacto militar real no curso da guerra. Para a minha geração a questão é irrelevante: compreendo imediatamente o significado moral e psicológico da Resistência. Era motivo de orgulho saber que nós, europeus, não tínhamos esperado passivamente pela liberação. Penso que, também para os jovens americanos que derramaram seu sangue pela nossa liberdade, não era irrelevante saber que atrás das linhas havia europeus que já estavam pagando seu débito.

Hoje na Itália tem gente que diz que a Resistência é um mito comunista. É verdade que os comunistas exploraram a Resistência como uma propriedade pessoal, pois realmente tiveram um papel primordial no movimento; mas lembro-me dos resistentes com bandeiras de diversas cores.

Grudado ao rádio, passava as noites – as janelas fechadas e a escuridão geral faziam do pequeno espaço em torno ao aparelho o único halo luminoso – escutando as mensagens que a Rádio Londres transmitia para a Resistência. Eram, ao mesmo tempo, obscuras e poéticas (“Ainda brilha o sol”, “As rosas hão de florir”), mas a maior parte eram “mensagens para Franchi”. Alguém soprou no meu ouvido que Franchi era o líder de um dos grupos clandestinos mais poderosos da Itália do Norte, um homem de coragem legendária. Franchi tornou-se o meu herói. Franchi (cujo verdadeiro nome era Edgardo Sogno) era um monarquista tão anticomunista que, depois da guerra, se uniu a um grupo de extrema direita e foi até acusado de ter participado de um golpe de Estado reacionário. Mas que importa? Sogno ainda é o sonho da minha infância. A liberação foi um empreendimento comum de gente das mais diversas cores.

Hoje na Itália tem gente que diz que a guerra de liberação foi um trágico período de divisão, e que precisamos agora de uma reconciliação nacional. A recordação daqueles anos terríveis deveria ser reprimida. Mas a repressão provoca neuroses. Se a reconciliação significa compaixão e respeito por todos aqueles que lutaram sua guerra de boa-fé, perdoar não significa esquecer. Posso até admitir que Eichmann acreditava sinceramente em sua missão, mas não posso dizer: “Ok, volte e faça tudo de novo”. Estamos aqui para recordar o que aconteceu e para declarar solenemente que “eles” não podem repetir o que fizeram.

Mas quem são “eles”?

Se pensamos ainda nos governos totalitários que dominaram a Europa antes da Segunda Guerra Mundial, podemos dizer com tranquilidade que seria muito difícil que eles retornassem sob a mesma forma, em circunstâncias históricas diversas. Se o fascismo de Mussolini baseava-se na idéia de um líder carismático, no corporativismo, na utopia do “destino fatal de Roma”, em uma vontade imperialista de conquistar novas terras, em um nacionalismo exacerbado, no ideal de uma nação inteira arregimentada sob a camisa negra, na recusa da democracia parlamentar, no anti-semitismo, então não tenho dificuldade para admitir que a Aliança Nacional, nascida do Movimento Social e Italiano (MSI), é certamente um partido de direita, mas tem muito pouco a ver com o velho fascismo. Pelas mesmas razões, mesmo preocupado com os vários movimentos neonazistas ativos aqui e ali na Europa, inclusive na Rússia, não penso que o nazismo, e sua forma original, esteja ressurgindo como movimento capaz de mobilizar uma nação inteira.

Todavia, embora os regimes políticos possam ser derrubados e as ideologias criticadas e destituídas de sua legitimidade, por trás de um regime e de sua ideologia há sempre um modo de pensar e de sentir, uma série de hábitos culturais, uma nebulosa de instintos obscuros e de pulsões insondáveis. Há, então, um outro fantasma que ronda a Europa (para não falar de outras partes do mundo)?

Ionesco disse certa vez que “somente as palavras contam, o resto é falatório”. Os hábitos linguísticos são muitas vezes sintomas importantes de sentimentos não expressos.

Portanto, permitam-me perguntar por que não somente a Resistência mas toda a Segunda Guerra Mundial foram definidas em todo o mundo com uma luta contra o fascismo. Se relerem "Por quem os sinos dobram", de Hemingway, vão descobrir que Robert Jordan identifica seus inimigos com os fascistas, mesmo quando está pensando nos falangistas espanhóis.

Permitam-me passar a palavra a Franklin Delano Roosevelt: “A vitória do povo americano e de seus aliados será uma vitória contra o fascismo e o beco sem saída que ele representa” (23 de setembro de 1944).

Durante os anos de McCarthy, os americanos que tinham participado da guerra civil espanhola eram chamados de “fascistas prematuros” - entendendo com isso que combater Hitler nos anos 40 era um dever moral de todo bom americano, mas combater Franco cedo demais, nos anos 30, era suspeito. Por que uma expressão como “fascist pig” era usada pelos radicais americanos até para indicar um policial que não aprovava os que fumavam? Por que não diziam: “Porco Caugolard”, “Porco Falangista”, “Porco Quisling”, “Porco croata”, “Porco Ante Pavelic”, “Porco nazista”?

Mein Kampf é o manifesto completo de um programa político. O nazismo tinha uma teoria do racismo e do arianismo, uma noção precisa de entartete Kunst, a “arte degenerada”, uma filosofia da vontade de potência e da Übermensch. O nazismo era decididamente anticristão e neopagão, da mesma maneira que o Diamat (versão oficial do marxismo soviético) de Stalin era claramente materialista e ateu. Se como totalitarismo entende-se um regime que subordina qualquer ato individual ao Estado e sua ideologia, então nazismo e estalinismo eram regimes totalitários.

O fascismo foi certamente uma ditadura, mas não era completamente totalitário, nem tanto por sua brandura quanto pela debilidade filosófica de sua ideologia. Ao contrário do que se pensa comumente, o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria. O artigo sobre o fascismo assinado por Mussolini para a Enciclopédia Treccani foi escrito ou inspirou-se fundamentalmente em Giovanni Gentile, mas refletia uma noção hegeliana tardia do “Estado ético absoluto”, que Mussolini nunca realizou completamente. Mussolini não tinha qualquer filosofia: tinha apenas uma retórica.

Começou como ateu militante, para depois firmar a concordata com a Igreja e confraternizar com os bispos que benziam os galhardetes fascistas. Em seus primeiros anos anticlericais, segundo uma lenda plausível, pediu certa vez a Deus que o fulminasse ali mesmo para provar sua existência. Deus estava, evidentemente, distraído. Nos anos seguintes, em seus discursos, Mussolini citava sempre o nome de Deus e não desdenhava o epíteto: “homem da Providência”. Pode-se dizer que o fascismo italiano foi a primeira ditadura de direita que dominou um país europeu e que, em seguida, todos os movimentos análogos encontraram uma espécie de arquétipo comum no regime de Mussolini.

O fascismo italiano foi o primeiro a criar uma liturgia militar, um folclore e até mesmo um modo de vestir-se – conseguindo mais sucesso no exterior que Armani, Benetton ou Versace. Foi somente nos anos 30 que surgiram movimentos fascistas na Inglaterra, com Mosley, e na Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária, Grécia, Iugoslávia, Espanha, Portugal, Noruega e até na América do Sul, para não falar da Alemanha. Foi o fascismo italiano que convenceu muitos líderes liberais europeus de que o novo regime estava realizando interessantes reformas sociais, capazes de fornecer uma alternativa moderadamente revolucionária à ameaça comunista.

Todavia, a prioridade histórica não me parece ser uma razão suficiente para explicar por que a palavra “fascismo” tornou-se uma sinédoque, uma denominação pars pro toto para movimentos totalitários diversos. Não adianta dizer que o fascismo continha em si todos os elementos dos totalitarismos sucessivos, por assim dizer, em “estado quintessencial”. Ao contrário, o fascismo não possuía nenhuma quintessência e sequer uma só essência. O fascismo era um totalitarismo fuzzy (1). O fascismo não era uma ideologia monolítica, mas antes uma colagem de diversas idéias políticas e filosóficas, uma colméia de contradições. É possível conceber um movimento totalitário que consiga juntar monarquia e revolução, exército real e milícia pessoal de Mussolini, os privilégios concedidos à Igreja e uma educação estatal que exaltava a violência e o livre mercado?

O partido fascista nasceu proclamando sua nova ordem revolucionária, mas era financiado pelos proprietários de terras mais conservadores, que esperavam uma contra-revolução. O fascismo do começo era republicano e sobreviveu durante vinte anos proclamando sua lealdade à família real, permitindo que um “duce” puxasse as cordinhas de um “rei”, a quem ofereceu até o título de “imperador”. Mas quando, em 1943, o rei despediu Mussolini, o partido reapareceu dois meses depois, com a ajuda dos alemães, sob a bandeira de uma república “social”, reciclando sua velha partitura revolucionária, enriquecida de acentuações quase jacobinas.

Existiu apenas uma arquitetura nazista, apenas uma arte nazista. Se o arquiteto nazista era Albert Speer, não havia lugar para Mies van der Rohe. Da mesma maneira, sob Stalin, se Lamarck tinha razão, não havia lugar para Darwin. Ao contrário, existiram certamente arquitetos fascistas, mas ao lado de seus pseudocoliseus surgiram também os novos edifícios inspirados no moderno racionalismo de Gropius.

Não houve um Zdanov fascista. Na Itália existiam dois importantes prêmios artísticos: o Prêmio Cremona era controlado por um fascista inculto e fanático como Farinacci, que encorajava uma arte propagandista (recordo-me de quadros intitulados Ascoltando all radio un discorso del Duce ou Stati mentali creati dal Fascismo); e o Prêmio Bergamo, patrocinado por um fascista culto e razoavelmente tolerante como Bottai, que protegia a arte pela arte e as novas experiências da arte de vanguarda que, na Alemanha, haviam sido banidas como corruptas, criptocomunistas, contrárias ao Kitsch nibelúngico, o único aceito.

O poeta nacional era D'Annunzio, um dândi que na Alemanha ou na Rússia teria sido colocado diante de um pelotão de fuzilamento. Foi alçado à categoria de vate do regime pro seu nacionalismo e seu culto do heroísmo –com o acréscimo de grandes doses de decadentismo francês.

Tomemos o futurismo. Deveria ter sido considerado um exemplo de entartete Kunst, assim como o expressionismo, o cubismo, o surrealismo. Mas os primeiros futuristas italianos eram nacionalistas, favoreciam por motivos estéticos a participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, celebravam a velocidade, a violência, o risco e, de certa maneira, estes aspectos pareciam próximos ao culto fascista da juventude. Quando o fascismo identificou-se com o império romano e redescobriu as tradições rurais, Marinetti (que proclamava que um automóvel era mais belo que a Vitória de Samotrácia e queria inclusive matar o luar) foi nomeado membro da Accademia d'Italia, que tratava o luar com grande respeito.

Muitos dos futuros membros da Resistência, e dos futuros intelectuais do futuro Partido Comunista, foram educados no GUF, a associação fascista dos estudantes universitários, que deveria ser o berço da nova cultura fascista. Esses clubes tornaram-se uma espécie de caldeirão intelectual em que circulavam novas idéias sem nenhum controle ideológico real, não tanto porque os homens de partido fossem tolerantes, mas porque poucos entre eles possuíam os instrumentos intelectuais para controlá-los.

No curso daqueles vinte anos, a poesia dos herméticos representou uma reação ao estilo pomposo do regime: a estes poetas era permitido elaborar seus protestos literários dentro da torre de marfim. O sentimento dos herméticos era exatamente o contrário do culto fascista do otimismo e do heroísmo. O regime tolerava esta distensão evidente, embora socialmente imperceptível, porque não prestava atenção suficiente ao um jargão tão obscuro.

O que não significa que o fascismo italiano fosse tolerante. Gramsci foi mantido na prisão até a morte, Matteotti e os irmãos Rosselli foram assassinados, a liberdade de imprensa suspensa, os sindicatos desmantelados, os dissidentes políticos confinados em ilhas remotas, o poder legislativo tornou-se pura ficção e o executivo (que controlava o judiciário, assim como a mídia) emanava diretamente as novas leis, entre as quais a da defesa da raça (apoio formal italiano ao Holocausto).

A imagem incoerente que descrevi não era devida à tolerância: era um exemplo de desconjuntamento político e ideológico. Mas era um “desconjuntamento ordenado”, uma confusão estruturada. O fascismo não tinha bases filosóficas, mas do ponto de vista emocional era firmemente articulado a alguns arquétipos.

Chegamos agora ao segundo ponto de minha tese. Existiu apenas um nazismo, e não podemos chamar de “nazismo” o falangismo hipercatólico de Franco, pois o nazismo é fundamentalmente pagão, politeísta e anticristão, ou não é nazismo. Ao contrário, pode-se jogar com o fascismo de muitas maneiras, e o nome do jogo não muda. Acontece com a noção de “fascismo” aquilo que, segundo Wittgenstein, acontece com a noção de “jogo”. Um jogo pode ser ou não competitivo, pode envolver uma ou mais pessoas, pode exigir alguma habilidade particular ou nenhuma, pode envolver dinheiro ou não. Os jogos são uma série de atividades diversas que apresentam apenas alguma “semelhança de família”:

1 - 2 - 3 - 4
abc bcd cde def


Suponhamos que exista uam série de grupos políticos. O grupo 1 é caracterizado pelos aspectos abc, o grupo 2, pelos aspectos bcd e assim por diante. 2 é semelhante a 1 na medida em que têm dois aspectos em comum. 3 é semelhante a 2 e 4 é semelhante a 1 (têm em comum o aspecto c). O caso mais curioso é dado pelo 4, obviamente semelhante a 3 e a 2, mas sem nenhuma característica em comum com 1. Contudo, em virtude da ininterrupta série de decrescentes similaridades entre 1 e 4, permanece, por uma espécie de transitoriedade ilusória, um ar de família entre 4 e 1.

O termo “fascismo” adapta-se a tudo porque é possível eliminar de um regime fascista um ou mais aspectos, e ele continuará sempre a ser reconhecido como fascista. Tirem do fascismo o imperialismo e teremos Franco ou Salazar; tirem o colonialismo e teremos o fascismo balcânico. Acrescentem ao fascismo italiano um anticapitalismo radical (que nunca fascinou Mussolini) e teremos Ezra Pound. Acrescentem o culto da mitologia céltica e o misticismo do Graal (completamente estranho ao fascismo oficial) e teremos um dos mais respeitados gurus fascistas, Julios Evola.

A despeito dessa confusão, considero possível indicar uma lista de características típicas daquilo que eu gostaria de chamar de “Ur-Fascismo”, ou “fascismo eterno”. Tais características não podem ser reunidas em um sistema; muitas se contradizem entre si e são típicas de outras formas de despotismo ou fanatismo. Mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista.

1. A primeira característica de um Ur-Fascismo é o culto da tradição. O tradicionalismo é mais velho que o fascismo. Não somente foi típico do pensamento contra-reformista católico depois da Revolução Francesa, mas nasceu no final da idade helenística como uma reação ao racionalismo grego clássico.

Na bacia do Mediterrâneo, povos de religiões diversas (todas aceitas com indulgência pelo Panteon romano) começaram a sonhar com uma revelação recebida na aurora da história humana. Essa revelação permaneceu longo tempo escondida sob o véu de línguas então esquecidas. Havia sido confiada aos hieróglifos egípcios, às runas dos celtas, aos textos sacros, ainda desconhecidos, das religiões asiáticas.

Essa nova cultura tinha que ser sincretista. “Sincretismo” não é somente, como indicam os dicionários, a combinação de formas diversas de crenças ou práticas. Uma combinação assim deve tolerar contradições. Todas as mensagens originais contêm um germe de sabedoria e, quando parecem dizer coisas diferentes ou incompatíveis, é apenas porque todas aludem, alegoricamente, a alguma verdade primitiva.

Como consequência, não pode existir avanço do saber. A verdade já foi anunciada de uma vez por todas, e só podemos continuar a interpretar sua obscura mensagem. É suficiente observar o ideário de qualquer movimento fascista para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. A gnose nazista nutria-se de elementos tradicionalistas, sincretistas ocultos. A mais importante fonte teórica da nova direita italiana Julius Evola, misturava o Graal com os Protocolos dos Sábios de Sião, a alquimia com o Sacro Império Romano. O próprio fato de que, para demonstrar sua abertura mental, a direita italiana tenha recentemente ampliado seu ideário juntando De Maistre, Guenon e Gramsci é uma prova evidente de sincretismo.

Se remexerem nas prateleiras que nas livrarias americanas trazem a indicação “New Age”, irão encontrar até mesmo Santo Agostinho e, que eu saiba, ele não era fascista. Mas o próprio fato de juntar Santo Agostinho e Stonehenge, isto é um sintoma de Ur-Fascismo.

2. O tradicionalismo implica a recusa da modernidade. Tanto os fascistas como os nazistas adoravam a tecnologia, enquanto os tradicionalistas em geral recusam a tecnologia como negação dos valores espirituais tradicionais. Contudo, embora o nazismo tivesse orgulho de seus sucessos industriais, seu elogio da modernidade era apenas o aspecto superficial de uma ideologia baseada no “sangue” e na “terra” (Blut und Boden). A recusa do mundo moderno era camuflada como condenação do modo de vida capitalista, mas referia-se principalmente à rejeição do espírito de 1789 (ou 1776, obviamente). O iluminismo, a idade da Razão eram vistos como o início da depravação moderna. Nesse sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como “irracionalismo”.

3. O irracionalismo depende também do culto da ação pela ação. A ação é bela em si, portanto, deve ser realizada antes de e sem nenhuma reflexão. Pensar é uma forma de castração. Por isso, a cultura é suspeita na medida em que é identificada com atitudes críticas. Da declaração atribuída a Goebbels (“Quando ouço falar em cultura, pego logo a pistola”) ao uso frequente de expressões como “Porcos intelectuais”, “Cabeças ocas”, “Esnobes radicais”, “As universidades são um ninho de comunistas”, a suspeita em relação ao mundo intelectual sempre foi um sintoma de Ur-Fascismo. Os intelectuais fascistas oficiais estavam empenhados principalmente em acusar a cultura moderna e a inteligência liberal de abandono dos valores tradicionais.

4. Nenhuma forma de sincretismo pode aceitar críticas. O espírito crítico opera distinções, e distinguir é um sinal de modernidade. Na cultura moderna, a comunidade científica percebe o desacordo como instrumento de avanço dos conhecimentos. Para o Ur-Fascismo, o desacordo é traição.

5. O desacordo é, além disso, um sinal de diversidade. O Ur-Fascismo cresce e busca o consenso desfrutando e exacerbando o natural medo da diferença. O primeiro apelo de um movimento fascista ou que está se tornando fascista é contra os intrusos. O Ur-Fascismo é, portanto, racista por definição.

6. O Ur-Fascismo provém da frustração individual ou social. O que explica por que uma das características dos fascismos históricos tem sido o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou humilhação política, assustadas pela pressão dos grupos sociais subalternos. Em nosso tempo, em que os velhos “proletários” estão se transformando em pequena burguesia (e o lumpesinato se auto exclui da cena política), o fascismo encontrará nessa nova maioria seu auditório.

7. Para os que se vêem privados de qualquer identidade social, o Ur-Fascismo diz que seu único privilégio é o mais comum de todos: ter nascido em um mesmo país. Esta é a origem do “nacionalismo”. Além disso, os únicos que podem fornecer uma identidade às nações são os inimigos. Assim, na raiz da psicologia Ur-Fascista está a obsessão do complô, possivelmente internacional. Os seguidores têm que se sentir sitiados. O modo mais fácil de fazer emergir um complô é fazer apelo à xenofobia. Mas o complô tem que vir também do interior: os judeus são, em geral, o melhor objetivo porque oferecem a vantagem de estar, ao mesmo tempo, dentro e fora. Na América, o último exemplo de obsessão pelo complô foi o livro The New World Order, de Pat Robertson.

8. Os adeptos devem sentir-se humilhados pela riqueza ostensiva e pela força do inimigo. Quando eu era criança ensinavam-me que os ingleses eram o “povo das cinco refeições”: comiam mais frequentemente que os italianos, pobres mas sóbrios. Os judeus são ricos e ajudam-se uns aos outros graças a uma rede secreta de mútua assistência. Os adeptos devem, contudo, estar convencidos de que podem derrotar o inimigo. Assim, graças a um contínuo deslocamento de registro retórico, os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais. Os fascismos estão condenados a perder suas guerras, pois são constitutivamente incapazes de avaliar com objetividade a força do inimigo.

9. Para o Ur-Fascismo não há luta pela vida, mas antes “vida para a luta”. Logo, o pacifismo é conluio com o inimigo; o pacifismo é mau porque a vida é uma guerra permanente. Contudo, isso traz consigo um complexo de Armagedon: a partir do momento em que os inimigos podem e devem ser derrotados, tem que haver uma batalha final e, em seguida, o movimento assumirá o controle do mundo. Uma solução final semelhante implica uma sucessiva era de paz, uma idade de Ouro que contestaria o princípio da guerra permanente. Nenhum líder fascista conseguiu resolver essa contradição.

10. O elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária, enquanto fundamentalmente aristocrática. No curso da história, todos os elitismos aristocráticos e militaristas implicaram o desprezo pelos fracos. O Ur-Fascismo não pode deixar de pregar um “elitismo popular”. Todos os cidadãos pertencem ao melhor povo do mundo, os membros do partido são os melhores cidadãos, todo cidadão pode (ou deve) tornar-se membro do partido. Mas patrícios não podem existir sem plebeus. O líder, que sabem muito em que seu poder não foi obtido por delegação, mas conquistado pela força, sabe também que sua força baseia-se na debilidade das massas, tão fracas que têm necessidade e merecem um “dominador”. No momento em que o grupo é organizado hierarquicamente (segundo um modelo militar), qualquer líder subordinado despreza seus subalternos e cada um deles despreza, por sua vez, os seus subordinados. Tudo isso reforça o sentido de elitismo de massa.

11. Nesta perspectiva, cada um é educado para tornar-se um herói. Em qualquer mitologia, o “herói” é um ser excepcional, mas na ideologia Ur-Fascista o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo é estreitamente ligado ao culto da morte: não é por acaso que o mote dos falangistas era: “Viva la muerte!” À gente normal diz-se que a morte é desagradável, mas é preciso enfrentá-la com dignidade; aos crentes, diz-se que é um modo doloroso de atingir a felicidade sobrenatural. O herói Ur-Fascista, ao contrário, aspira à morte, anunciada como a melhor recompensa para uma vida heróica. O herói Ur-Fascista espera impacientemente pela morte. E sua impaciência, é preciso ressaltar, consegue na maior parte das vezes levar os outros à morte.

12. Como tanto a guerra permanente como o heroísmo são jogos difíceis de jogar, o Ur-Fascista transfere sua vontade de poder para questões sexuais. Esta é a origem do machismo (que implica desdém pelas mulheres e uma condenação intolerante de hábitos sexuais não-conformistas, da castidade à homossexualidade). Como o sexo também é um jogo difícil de jogar, o herói Ur-Fascista joga com as armas, que são seu Ersatz fálico: seus jogos de guerra são devidos a uma invidia penis permanente.

13. O Ur-Fascismo baseia-se em um “populismo qualitativo”. Em uma democracia, os cidadãos gozam de direitos individuais, mas o conjunto de cidadãos só é dotado de impacto político do ponto de vista quantitativo (as decisões da maioria são acatadas). Para o Ur-Fascismo os indivíduos enquanto indivíduos não têm direitos e “o povo” é concebido como uma qualidade, uma entidade monolítica que exprime “a vontade comum”. Como nenhuma quantidade de seres humanos pode ter uma vontade comum, o líder apresenta-se como seu intérprete. Tendo perdido seu poder de delegar, os cidadãos não agem, são chamados apenas pars pro toto, para assumir o papel de povo. O povo é, assim, apenas uma ficção teatral. Para ter um bom exemplo de populismo qualitativo, não precisamos mais da Piazza Venezia ou do estádio de Nuremberg.

Em nosso futuro desenha-se um populismo qualitativo TV ou Internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a “voz do povo”. Em virtude de seu populismo qualitativo, o Ur-Fascismo deve opor-se aos “pútridos” governos parlamentares. Uma das primeiras frases pronunciadas por Mussolini no parlamento italiano foi: “Eu poderia ter transformado esta assembléia surda e cinza em um acampamento para meus regimentos”. De fato, ele logo encontrou alojamento melhor para seus regimentos e pouco depois liquidou o parlamento. Cada vez que um político põe em dúvida a legitimidade do parlamento por não representar mais a “voz do povo”, pode-se sentir o cheiro de Ur-Fascismo.

14. O Ur-Fascismo fala a “novilíngua”. A “novilíngua” foi inventada por Orwell em 1984, como língua oficial do Ingsoc, o Socialismo Inglês, mas certos elementos de Ur-Fascismo são comuns a diversas formas de ditadura. Todos os textos escolares nazistas ou fascistas baseavam-se em um léxico pobre e em uma sintaxe elementar, com o fim de limitar os instrumentos para um raciocínio complexo e crítico. Devemos, porém estar prontos a identificar outras formas de novilíngua, mesmo quando tomam a forma inocente de um talk-show popular.

Depois de indicar os arquétipos possíveis do Ur-Fascismo, permitam-me concluir. Na manhã de 27 de julho de 1943 foi-me dito que, segundo informações lidas na rádio, o fascismo havia caído e Mussolini tinha sido feito prisioneiro. Minha mãe mandou-me comprar o jornal. Fui ao jornaleiro mais próximo e vi que os jornais estavam lá, mas os nomes eram diferentes. Além disso, depois de uma breve olhada nos títulos, percebi que cada jornal dizia coisas diferentes. Comprei um, ao acaso, e li uma mensagem impressa na primeira página, assinada por cinco ou seis partidos políticos como Democracia Cristã, Partido Comunista, Partido Socialista, Partido de Ação, Partido Liberal. Até aquele momento pensei que só existisse um partido em todas as cidades e que na Itália só existisse, portanto, o Partido Nacional Fascista. Eu estava descobrindo que, no meu país, podiam existir diversos partidos ao mesmo tempo. E não só isso: como eu era um garoto esperto, logo me dei conta de que era impossível que tantos partidos tivessem aparecido de um dia para o outro. Entendi assim que eles já existiam como organizações clandestinas.

A mensagem celebrava o fim da ditadura e o retorno à liberdade: liberdade de palavra, de imprensa, de associação política. Estas palavras, “liberdade”, “ditadura” - Deus meu -, era a primeira vez em toda a minha vida que eu as lia. Em virtude dessas novas palavras renasci como homem livre ocidental.

Devemos ficar atentos para que o sentido dessas palavras não seja esquecido de novo. O Ur-Fascismo ainda está a nosso redor, às vezes em trajes civis. Seria muito confortável para nós se alguém surgisse na boca de cena do mundo para dizer: “Quero reabrir Auschwitz, quero que os camisas-negras desfilem outra vez pelas praças italianas!”. Ai de mim, a vida não é fácil assim! O Ur-Fascismo pode voltar sob as vestes mais inocentes. Nosso dever é desmascará-lo e apontar o indicador para cada uma de suas novas formas – a cada dia, em cada lugar do mundo. Cito ainda as palavras de Roosevelt: “Ouso dizer que, se a democracia americana parasse de progredir como uma força viva, buscando dia e noite melhorar, por meios pacíficos, as condições de nossos cidadãos, a força do fascismo cresceria em nosso país” (4 de novembro de 1938). Liberdade, liberação são uma tarefa que não acaba nunca. Que seja este o nosso mote: “Não esqueçam”.

E permitam-me acabar com uma poesia de Franco Fortini:

Sulla spalletta del ponte
Le teste degli impiccati
Nell'acqua della fonte
La bava degli impiccati
Sul lastrico del mercato
Le unghie dei fucilati
Sull'erba secca del prato
I denti dei fucilati

Mordere l'aria mordere i sassi
La nostra carne non à più d'uomini
Mordere l'aria mordere i sassi
Il nostro cuore non à più d'uomini.

Ma noi s'è letto negli occhi dei morti
E sulla terra faremo libertà
Ma l'hanno stretta i pugni dei morti
La giustizia che si farà.


(Na amurada da ponte/ A cabeça dos enforcados/Na água da fonte/ A baba dos enforcados/No calçamento do mercado/As unhas dos fuzilados/Sobre a grama seca do prado/Os dentes dos fuzilados/Morder o ar morder as pedras/ Nossa carne não é mais de homens/Morder o ar morder as pedras/Nosso coração não é mais de homens/ Mas lemos nos olhos dos mortos/ E sobre a terra a liberdade havemos de fazer/ Mas estreitaram-na nos punhos os mortos/A justiça que se há de fazer.)”

Umberto Eco, O Fascismo Eterno, in: Cinco Escritos Morais, Tradução: Eliana Aguiar, Editora Record, Rio de Janeiro, 2002.

Fonte original: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-licao-de-Umberto-Eco-contra-o-fascismo-eterno%0D%0A/4/15330

terça-feira, 21 de abril de 2015

Sobre a chacina na Pavilhão 9 e a condenação pos mortem das vítimas

Quando te convencem que a vítima "mereceu".

Esse fato me deixou tão triste que podem perceber que estou a dias sem publicar nada aqui para não dizer com o fígado e sim com o cérebro. Mas a bílis só piora quando vejo discursos prontos praticamente justificando uma chacina. O fascismo venceu.

Só para completar, já fui frequentador de torcida organizada e já fiquei depois de festa ou cheguei cedo antes de jogo organizando bandeiras, faixas e adereços usados na festa do estádio que a televisão adora mostrar para valorizar seu " produto ".

Se alguém tivesse dado um tiro na minha nuca essa semana o bandido seria eu!

Se tu acredita em tudo que a imprensa diz só porque corrobora seus preconceitos eu digo, você é tão verme e covarde quanto aqueles que puxaram o gatilho.

Você mata reputações, você mata depois de morto. E Goebbels sorri dos seus feitos.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

O filho de todas as esperanças

Um dos melhores e mais deliciosos livros que li foi O "Hijo de los dias" onde Eduardo Galeano conta histórias não ou mal contadas onde cada capítulo é um dia de um calendário da história não oficial. Ouso dizer que meu "filho dos dias" ganhou um capítulo hoje. Logo abaixo meu capítulo favorito do livro supra citado:

13 de Abril

O Homem que ousou ver e acreditar

Nessa data, em 2015 nos deixou Eduardo Galeano, escritor uruguaio. Homem de muitas palavras ousou ver o que todos fingiam não ver, ousou relatar o que a história oficial quis sepultar.

Sua visão ultra crítica de um mundo cínico era cheia de poesia, movimento, única e acima de tudo cheia e provedora de esperança. Esperança que todos sejam iguais em suas diferenças e que o mundo seja cheio de filhos das veias abertas, não aquelas que sagram como ele perspicazmente denunciou as violações da América Latina, mas as veias da sensibilidade e da coragem, essas abertas por Galeano e quem essas sim, jorrem eternamente, como sua obra já é.

***

Febrero  17

 El festejo que no fue

    Los peones de los campos de la Patagonia argentina se habían alzado en huelga, contra los salarios cortísimos y las jornadas larguísimas, y el ejército se ocupó de restablecer el orden.
   
    Fusilar cansa. En esta noche de 1922, los soldados, exhaustos de tanto matar, fueron al prostíbulo del puerto San Julián, a recibir su merecida recompensa.

    Pero las cinco mujeres que allí trabajaban les cerraron la puerta en las narices y los corrieron al grito de asesinos, asesinos, fuera de aquí…

    Osvaldo Bayer ha guardado sus nombres. Ellas se llamaban Consuelo García, Ángela Fortunato, Amalia Rodríguez, María Juliache y Maud Foster.

    Las putas. Las dignas.

quinta-feira, 5 de março de 2015

Corinthians x San Lorenzo com portões fechados

Estranha a sensação de ver um jogo sem torcidas, ainda mais um jogo entre Corinthians e uma agremiação argentina.
Tive a sensação de estar passeando pelo bairro e parar para ver um jogo entre duas equipes amadoras, um "contra". A sensação auditiva era  a mesma. Tinha algum som, mas das pessoas distraídas que vão parando para ver o jogo.
Talvez seja esse som ambiente que os dirigentes do futebol querem. Sem cantos, sem torcida, apenas espetadores. Sem emoção. Sem alma. Sem alma, e por consequência óbvia, sem violência. Quase como matar um cachorro porque ele late e verificar o vazio que ficou no lugar.
O time de branco e preto jogou mal, criou pouco e marcou deixando espaços e tomou alguns sustos do time tricolor. Jogo duro, porém agradável de se ver.
Nesse torneio de várzea que aqui a gente trata como se fosse o batismo celestial na hora da morte, estamos bem, pois ganhamos jogando bem e mal de adversários diretos.

Preferi imaginar em dado momento que aquilo não era um subterfúgio de dirigentes incompetentes (proibir todos os torcedores de entrar em punição ao comportamento de alguns e ignorar que a torcida em dados momentos é tão ou (ousaria dizer) até mais importante que o jogo em si. Imaginei que estava em 1911 em um jogo com a camisa creme já desbotada se convertendo em branca... No início de tudo quando ainda quase não havia torcida e não havia cantos ainda e esquecer que na verdade estamos próximos de 1911 mesmo. Foot-ball apenas para quem tem dinheiro para ver e praticar. Com a triste diferença que hoje em vez de ser a contestação disso, o mosqueteiro hoje é um dos carros chefe dessa re elitização do esporte bretão.

Mas é melhor lembrar que ganhamos um jogo importante. E ficar feliz, mesmo que essa cachaça esteja meio amarga sem o principal ingrediente dela, o povo.

Vai CORINTHIANS, essa guerra, teremos que ganhar.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Sobre a tarifa zero e sua viabilidade.

Como após novo aumento de passagens as jornadas nas ruas protestando contra os aumentos surgem diversos questionamentos. Alguns são meros exercícios retóricos de governistas desesperados por não conseguirem cooptar movimentos horizontais e outros são pertinentes, como aonde virá o dinheiro e sobre se é possível existir uma tarifa zero em São Paulo. Vivi a minha vida toda na periferia paulistana e já trabalhei como fiscal dentro do sistema de transporte. Então vi a realidade do que é ter pessoas que simplesmente não podem se locomover até para procurar emprego sem antes se humilhar para o motorista decidir se ele pode ou não se locomover. Numa realidade tão abismal como a cidade de São Paulo que concentra aproximadamente 15% do PIB nacional em cinco distritos e às margens (como gosta de dizer o pessoal da Zona Sul, do lado de lá do Rio) qualquer dinheiro é relevante sim. Já vi famílias inteiras sustentadas com salário mínimo ou até menos.

Segundo estudo que saiu hoje, uma pessoa que ganha salário mínimo precisa trabalhar 14 minutos por dia para apenas se locomover. Existe um engodo retórico que é dizer que vale transporte e passe estudantil não saem (sairão mais) do bolso do cidadão. Isso é uma meia verdade, pois o empregador cobra 6% do salário do empregado e quem ganha pouco mais de três salários mínimos não tem o direito (os seis por cento já são o valor integral). Sobre o estudante, esse "passe livre" é apenas para estudantes de baixa renda se locomoverem até  escola (48 viagens/mês). E ainda desconsiderando isso, ninguém faz mais nada na cidade além de estudar e trabalhar? Ninguém vai no parque, cinema, teatro, shows, visitar amigos e parentes entre outras coisas? A vida então se resume a estudar e trabalhar?

E fora esse artigo da lei dos vale transportes: "ARTIGO 3º - Sem prejuízo da dedução como despesa operacional, a pessoa jurídica poderá deduzir, do imposto de renda devido, valor equivalente à aplicação da alíquota cabível do imposto de renda sobre o valor das despesas comprovadamente realizadas, no período-base, na concessão do Vale-Transporte, na forma em que dispuser o regulamento desta Lei". Ou seja, o patrão deduz do imposto dele, sendo assim, todos nós pagamos o vale transporte e não o "caridoso" empregador.

A tarifa zero para a maioria das pessoas que moram em São Paulo seria ter o direito a cidade conquistado, garantido. Pois não adianta fazer um show de graça no centro, por exemplo, se a maior parte da população que não pode pagar não poderá ver o mesmo? É a garantia plena do direito de ir e vir. Outro argumento comum é que inexistente isso no resto do mundo. Se isso fosse verdade, qual o problema seria em ser o primeiro? Antes do Canadá não existia no mundo sistemas unificados e públicos de saúde, hoje isso é uma realidade em muitos lugares, incluindo o Brasil. Se aplicassem esse raciocínio lá isso ainda hoje não existiria. Mas cidades como Gibraltar (inteiro) e Sidney (parcial, possui linhas gratuitas e outras tarifadas com muito subsídio), fora casos como Paulínia (SP) e Maricá (RJ) no Brasil que já tem sistemas públicos gratuitos confrontando com o sistema privado pago.

Segundo declarações recentes do prefeito de São Paulo, a tarifa zero em São Paulo custaria seis (6) bilhões de reais e grande parte disso seria através do CIDE, imposto que incide sobre os combustíveis de nível federal mas que já tem grande parte repassada aos municípios e estados. A proposta de Haddad da municipalização do CIDE não resolve pois essa taxa arrecadou em 2012 em todo o país R$ 8 bilhões, fora R$ 6 bilhões de isenções (inclusive das empresas de ônibus), ou seja, 14 bilhões em todo o país. Caso seja municipalizado, ele seria de aproximadamente 1,4 bilhão/ano em São Paulo. Só isso, aliado ao 1 bilhão/ano que a prefeitura já subsidia, estaríamos com 2,5 bilhões/ano. A margem de lucro dos empresários de ônibus em São Paulo é de 18% em media, pois ela varia de 14% a 54% de acordo com a empresa.

Caso seja municipalizado e assim eliminando o lucro, o valor do transporte já cairia 1,2bi/ano. Ou seja, apenas com isso já teríamos 3,7bilhões dos seis bilhões que se precisa. Isso aplicado diretamente na tarifa atual a reduziria para R$ 1,35 imediatamente. Caberia ao poder público garantir mais 2,3 bilhões de reais, que em São Paulo significa que cada pessoa pagaria menos de R$ 200,00/ano a mais ou seja, cerca de R$ 16,00 mês/per capita. Resumindo, ao municipalizar a arrecadação da CIDE e municipalizar o serviço (excluindo a margem de lucro) ou teríamos a tarifa de R$ 1,35 ou restaria apenas cada cidadão paulistano pagar R$ 16,00 por mês para todos terem transporte público sem tarifação na catraca.

Ou seja, é plenamente viável. O que falta é vontade política de enfrentar uma máfia que é responsável pelo transporte no país todo. Falta vontade principalmente pelo simbolismo dessa causa. O direito de ir e vir e principalmente o direito de decidir o que mais importante para minha vida. A verdadeira democracia. A democracia direta e não de meia dúzia de (literalmente) eleitos que acham que podem decidir o que queremos ou não. Essa é a maior dificuldade do passe livre, os dois braços do poder (o Estado e o Poder privado de pouquíssimos poderosos) se sentem acuados ao ver que não será o interesse deles que se sobressairá e sim das pessoas, da organização popular e pior, horizontal, sem líderes para poder seduzir com pílulas de poder. Essa é a maior dificuldade. Não é por seis bilhões de reais e sim por toda uma noção de poder. Por isso as repressões violentas, por isso o desespero. Não é só por seis bilhões de reais, é por poder! E como nossa constituição diz: todo poder emana do povo. Então, tarifa zero já!

Fontes:
valor de R$ 6 bilhões
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/exclusivo-fernando-haddad-fala-sobre-marta-chalita-a-logica-do-mpl-e-o-caipirismo-do-psdb/

comparação com outras cidades do mundo
http://economia.uol.com.br/noticias/infomoney/2013/06/13/as-cidades-com-transporte-publico-mais-caros-e-mais-baratos-sp-e-rj-estao-na-liista.htm
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/01/1575811-tarifa-de-onibus-em-sp-e-rio-esta-entre-as-mais-caras-do-mundo-diz-estudo.shtml?cmpid=%22facefolha%22

lucro empresas de ônibus de SP
http://oglobo.globo.com/brasil/em-1-ano-lucro-liquido-de-empresas-de-onibus-de-sp-aumentou-em-ate-2056-9605514
http://www.nossasaopaulo.org.br/noticias/auditoria-ve-margem-para-reduzir-taxa-de-lucro-de-empresas-de-onibus

arrecadação da CIDE/combustíveis
http://www3.tesouro.gov.br/estados_municipios/download/CartilhaCIDE.pdf

"passe livre" estudantil
http://www.capital.sp.gov.br/portal/noticia/5209

lei do vale transporte
http://www1.beneficiofacil.com.br/noticias.asp?log=8

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Por uma vida sem catracas.

Por uma vida sem catracas.

Hoje começa mais uma jornada contra o aumento da tarifa e pela ideia que o transporte seja um direito social (como saúde, educação e liberdade de opinião, por exemplo). Ou seja, pelo direito de ir e vir. Com 30 reais/mês per capita aproximadamente, TODAS as pessoas da cidade teriam garantido seu direito de ir e vir garantido e o legítimo acesso à cidade.

Quebrando a fronteira econômica as pessoas que tem. Quebrando o simbolismo da catraca, da barreira que impede o ser de se locomover pela fronteira do dinheiro.

 Quebra as fronteiras semióticas entre ricos e pobres. Donos da cidade e a população periférica, a margem dos centros que em cinco bairros paulistanos concentram 15% do PIB do país (pq vc acha o horror que Higienópolis tem do metrô? Seria o fim da cidade higienizada).

E ainda mais por um movimento horizontal que contesta o papel das lideranças, autoridades e afins. A quebra de outra barreira.

Por uma vida sem catracas
Por um vida sem barreiras
Por uma vida sem fronteiras
Por uma vida livre
Por uma vida de amor e mutualismo

Muito mais que a passagem. É a verdadeira democracia. Não só aquela de quem tem dinheiro para comprar a cidade e os políticos para servi lo. É pela liberdade. Às ruas...


terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Governabilidade, o novo nome de vender a alma para a diabo

Governabilidade, o novo nome de vender a alma para a diabo. Governabilidade, o nome de "fazemos qualquer negócio para se manter no poder.

Agora, papo reto: alguém realmente acreditou que seria diferente disso? Eu, inclusive declarei nessa rede social que estava votando no segundo turno contra as forças escusas e fascistas que se aglutinaram no discurso e nos grupos de apoio aos bicudos azuis, co irmão dos vermelhos trabalhistas que nomeiam pessoas que possuem escravos para seu ministério.

Insisto: voto ameniza ou não os efeitos do real governo, aquele das grandes empreiteiras, bancos, coronéis, latifundiários que apenas elegem seus office boys para manter intacto seu poder e isso não mudará digitando números num micro ondas não aferível. Os dois partidos que se alternam no poder há vinte anos confirmam isso. Só chegaram lá quando aceitaram rasgar seu programa e seus ideais em troca do título "visível" do poder.

Sinto muito àqueles que acreditaram na guinada à esquerda. Pelo menos vocês ajudaram a impedir o turbo à direita. O outro que usa palavras de esquerda e bandeiras vermelhas já faz mais de 15 anos que dá seta à direita e muitos ainda em 2014 caem em imagens de guerrilheira. Mas essa ilusão pelo menos atrasou que grupos ainda piores que esses que lá estão de assumirem o trono de contínuo da vontade dos que mandam.

E ao PT, por justiça agradecemos o único programa efetivo de distribuição de renda e por facilitar o acesso a serviços públicos a grande população. Mas não se iludam, porque vermelho ou azul, educação, saúde, infraestrutura, real empoderamento popular, combate à corrupção, etc você pode digitar o número que quiser que nada irá mudar se não for do interesse daqueles que realmente mandam acima citados.

E para concluir, uma frase que adoro do Malatesta: "todo poder emana do povo e é o povo que vai fazer o poder". Enquanto todo mundo que anseia por um mundo mais justo não entender isso, vão ficar se decepcionando com os jogos de poder da elite econômica e bélica do país e do mundo.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O pior dos 7x1, a ética no futebol

Acabou a temporada 2014 de futebol no Brasil. E a sensação de terra arrasada é inevitável até mesmo no que teríamos supostamente de melhor. Mas realmente o que mais incomoda no futebol é essa moral prática medieval que virou nosso futebol. Vou buscar alguns exemplos para ilustrar o que digo.

A palavra ETHOS pode se traduzir como "modos" ou "costumes" e a partir da filosofia grega ETHIKÓS seria numa tradução livre "aquele que possui caráter". Conforme a filosofia evoluiu, de acordo com Deleuze a partir de Spinoza: "Diferencia-se da moral, pois, enquanto esta se fundamenta na obediência a costumes e hábitos recebidos, a ética, ao contrário, busca fundamentar as ações morais exclusivamente pela razão".

E aí eu chego em Nietzsche (na verdade numa linha histórica eu volto um pouco) que cria o conceito de super homem (übersmann) que supera seus limites impostos pela moral e assim pautando suas relações pela ética e não pelo imposto por alguém que se auto declarou "bom".

Mas porra, você não ia falar de futebol? Vou, só que vou falar das relações éticas no esporte e de como ficamos "mais sinceros" ao assistir o esporte. Não creio que o esporte crie violência, preconceitos e esquemas escusos, ele desnuda as relações sociais através da paixão extremada. O local onde "você tem o direito" de odiar até a morte um rival. Onde invocar preconceitos enraizados se torna "brincadeira" e onde "roubado é mais gostoso". Ou seja, caso me beneficie vale quase tudo, menos relações homoeróticas na definição de Gil, ex-atacante corinthiano e colorado, entre outros.

A "graça do futebol" nesse caso, para a maioria das pessoas é poder ser no âmbito esportivo, aquilo que a "sociedade" condena mas faz. Vou enumerar oito situações que ocorreram nessa última temporada para ilustrar isso:

1x0 - ao contrário da Copa eu vou começar com o gol de honra que por ironia (ou não) veio da Alemanha. Uma das coisas mais irritantes no futebol, em especial o brasileiro é a quantidade de vezes que jogadores buscam enganar o árbitro para obter vantagem desonesta com um penalti inexistente ou a expulsão de um adversário.

Nesse ano na Bundesliga o jogador Hunt do Werder Bremen avisou um árbitro que sua marcação havia sido equivocada e o erro foi desfeito. Quando conseguiremos ver isso aqui e qual reação teria a torcida do jogador honesto?

1x1 - o futebol como tábua de mandamentos preconceituosos: o machismo. Chegamos em 2014 e o feminino ainda é xingamento no football association. Para a ampla maioria dos torcedores conjungar o adversário ser conjugado no feminino é uma ofensa mortal.

Aqui futebol é tão "para homem" que a ampla maioria dos clubes, organizações e afins tiveram uma ou outra excessão feminina comandando e ainda pior, sequer possuem equipes femininas praticando o esporte. E o sabor mais amargo desse bolo: ainda hoje não temos um calendário organizado de futebol feminino, mesmo com o vice mundial e olimpíco de atletas sem apoio nenhum que ganham lindos discursos e condecorações e já na semana seguinte volta tudo ao normal. Algumas jogam fora do país e outras voltam para serem discriminadas e amadorizadas no Brasil.

2x1 -  o futebol como tábua de mandamentos preconceituosos: a homofobia. Na cabeça dos homens cis que  são a maioria exposta e com voz ativa no nosso futebol existe outro xingamento infalível: "diminuir" o adversário por uma suposta sexualidade não heteronormativa.

Muito comum em clássicos regionais ou ao se referir à equipes gaúchas perpetuasse uma linha de raciocínio que ser homossexual é uma falha de caráter e que deve ser "usada contra o adversário". O preconceito é tão enraizado que funciona, pois o adversário invariavelmente se sente ultrajado caso tenha sua sexualidade "contestada" e invariavelmente repete os preconceitos invertendo os atores.

Por exemplo, mesmo em torcidas de origem popular e inclusiva como Corinthians e Atlético-MG chamam seus rivais locais nas últimas décadas de marias (um trocadilho infame com Máfia, nome de uma organizada rival), bichas ou bambis e para piorar, depois da elitização de suas praças esportivas os novos espectadores se divertem gritando "bicha" a cada tiro de meta rival, imitando o "puto" comum no México.

E para piorar, a ampla maioria das torcidas entendem isso como uma brincadeira jocosa e conforme endurece a homofobia no país o mesmo acontece no futebol (o Corinthians teve um dos principais jogadores da sua história intimidado devido a um selinho em um amigo exposto, teve um manifesto contra a homofobia praticamente ignorado pelo seus adeptos e o São Paulo FC teve um jogador que a ampla maioria da torcida se recusava a cantar o nome dele devido a uma suposta homossexualidade que para piorar teve seu nome vetado por parte da torcida palmeirense com uma faixa onde se lia: "a homofobia veste verde")

3x1 - o futebol como tábua de mandamentos preconceituosos: o racismo. Devido as conquistas do movimento negro, o racismo é um crime tipificado no Brasil e as discussões avançaram bastante na sociedade civil. Diferentemente da homofobia ou do machismo (que só possui tipificação em caso de violência física). Porém, isso também criou aquele racismo velado onde a negritude é condenada, a melanina discriminada mas "tenho amigos negros, logo não sou racista".

Muitas torcidas se usam muito de ofensas racistas contra rivais. O caso recente do Grêmio é o extremo de uma torcida que acha que chamar o rival de macaco é tradição e brincadeira mesmo sabendo que esse apelido tem origem justamente na aceitação de negros do rival. Ironicamente o hino gremista foi composto por Lupicínio Rodrigues. Mas não é só eles não.

Sente-se num arquibancada e veja um rival negro se destacar e ouça as provocações de qualquer torcida. Veja a revista policial na entrada do estádio como fica bem mais minuciosa conforme a cor da pele. Note quantos dirigentes negros possuem o futebol. Note como jogadores são "estimulados" a deixar para lá essas ofensas "jocosas" conforme vimos nos recentes casos de Gil (SCCP), Aranha (SFC) ou Arouca (SFC).

4x1 -  o futebol como tábua de mandamentos preconceituosos: a xenofobia. É difícil separar isso do racismo já que as linhas de "raciocínio" são similares: "são diferentes de mim e não deveriam ocupar o mesmo espaço que eu". Nisso a Copa do Mundo é um festival. É um mês inteiro conversando com gente que não gosta de argentino, alemão, estadunidense e outros devido a serem rivais no esporte e a maioria sem nunca terem chegado perto de conversar com alguém do estrato social odiado.

A elite brasileira, formada pelos europeus colonizadores conhecem bem o poder da xenofobia. Impede as pessoas de perceberem que nossos problemas são iguais independentemente do lado do rio que você nasceu ou das cores da sua camisa. "Dividir e Conquistar" funcionando há mais de 2500 anos.

Para isso fizeram uma forte e irresponsável campanha elegendo os nossos vizinhos a oeste do Rio da Prata como inimigos mortais. Muitas guerras já foram feitas por pessoas por defenderem bandeiras, hinos e cores aristocráticas (como, por exemplo, o verde e amarelo da casa de Orleans e de Bragança) e mataram e geraram dor indiscriminada apenas por nascerem do outro lado de uma fronteira imaginária.

5x1 - Desorganização plena de tudo. O calendário, as praças, as organizadoras, os clubes. Todo mundo que gosta de futebol tem consciência que irá sofrer pelo penalti perdido ou pelo gol tomado no último minuto. Até aí faz parte da graça do esporte.

Mas você ter um campeonato divulgado com dois meses de antecedência, em local a definir, em horário a ser encaixado na programação da emissora detentora dos direitos, geralmente depois que o transporte público acaba, calendário que não respeita as datas Fifa e prejudica justamente os clubes que melhor contrataram, no evento tudo sem informação e com a polícia tratando todo mundo como inimigo potencial, organizando fila xingando e dando borrachada para "organizar".

Campeonatos que podem terminar no tribunal, afinal tem uma corte pavônica que quer aparecer mais que o espetáculo. E tudo isso para jogos defensivos, com muitos erros de passes e poucas chances reais, enfim insuportáveis cobrados a preço de ouro. Arbitragens literalmente amadoras que podem acabar um campeonato por má-fé ou por incompetência e que param o jogo mais que o xará americano que pelos menos para o cronometro e a gente as vezes vendo jogo com apenas metade do tempo com bola rolando. Estamos colhendo os frutos de décadas de desorganização.

6x1 - A reelitização do esporte bretão ou o ataque a festa popular. O football association chegou ao Brasil como um entretenimento das elites europeias aqui fixadas. Mas o esporte foi caindo no gosto popular e foram surgindo times que jogavam nos campos de várzea dos rios dos grandes centros. Os times tentaram segurar seu esporte como um esporte para poucos mas não foi possível.

A população tomou o esporte para si e a profissionalização deu um duro golpe nos ricos que partiram para outros esportes como críquete, hipismo, tênis ou automobilismo que possuem a barreira do preço dos equipamentos. Mas o discurso elitista nunca perdeu força.

A grande mídia esportiva adotou um discurso que o problema do futebol era os pobres mal educados e que a violência do futebol tinha nascido com os torcedores organizados e esses paulatinamente foram (estão sendo) expulsos pela higienização dos estádios. Primeiro, usando-se da desculpa da repressão a violência se proíbe a festa: primeiro o papel higiênico, hoje os sinalizadores, ontem as bandeiras de mastro e hoje até faixa de protesto é proibido em estádio (lembrando que a CBF é a casa das viúvas da ditadura militar). Proíbe de se assistir em pé, acaba-se as gerais e arquibancadas em pról das cadeiras numeradas ou cativas. Também a bebida alcoólica é condenada. Não se pode xingar também e fumar muito menos.

E a cobertura desse bolo indigesto: aumenta-se abusivamente os preços de ingressos, mesmo deixando de ocupar a totalidade do estádio (como o estádio do Corinthians que nunca encheu ou a histórica final entre Atlético x Cruzeiro que deixou grande parte de ingressos sobrando devido a preços que chegavam a R$ 1000,00), mas garante que banguelas escurinhos e apaixonados não atrapalhem seu entretenimento e garantam "belas" imagens a TV. O caso mais emblemático foi do Corinthians, auto declarado, time do povo, que há exatos cem anos ganhou o primeiro campeonato da liga paulista onde um time operário e popular saia campeão. Hoje possui um estádio com acabamento em mármore e acionadores automáticos de banheiro como desculpa para cobrar o tíquete mais caro do país e expulsar o povão do rito de amor ao time do povo.

Tornaram o jogo chato e agora até torcer ficou chato. Devolveram o esporte a sua origem burguesa e aristocrática e acabaram com a mais bonita das festas populares que nossa cultura criou.

7x1 - Falando sobre a ética em si. E a tal da alteridade aparentemente impossível na nossa sociedade e, principalmente, no futebol. Esse sim, o fator ético em si, o mais preocupante a meu ver. Porque esse ano o CR Flamengo ganhou do rival e seu goleiro então, Felipe, declarou que "roubado é mais gostoso", frase comum no meio esportivo e já denuncia a relação entre a falta de ética e alteridade do meio.

Ainda dentro desse item, quase todo técnico no Brasil tem o hábito de desviar a atenção de seus erros para erros de arbitragem e programas esportivos se dedicam muito mais a "achar lances polêmicos" do que discutir o jogo em si. Fora que aqui quase todos os jogadores foram ensinados que se sentirem um toque na área e para se jogar e dar um coice para trás pois para quem vê de trás (quase sempre a posição do árbitro principal) parece que ele tomou uma rasteira. Simular faltas para expulsar rivais. Até desligar a iluminação para esfriar o jogo.

Aí entra a ética e a alteridade em si. Pois todos esses lances são comemorados quando nos favorecem e geram revoltas quando nos prejudicam. Porque se é a meu favor "roubado é mais gostoso" e se é contra é "uma vergonha esse futebol". Ou seja, se por no lugar do outro, jamais. Defender uma postura única de atuação ética menos ainda. Jogadores batem penaltis roubados e comemoram e na semana seguinte saem chorando e revoltados por acontecerem o mesmo com eles.

Ou seja, o roubo só é ruim se a vítima formos nós, se formos o beneficiado, tudo bem até é "mais gostoso". Chega-se ao extremo de torcedores verem dois lances idênticos e considerarem a seu favor, verdadeiro e contra, falso. Cito dois exemplos do derby paulistano. O Palmeiras interrompeu uma fila de quase 18 anos ao se associar com a Parmalat, famosa multi nacional italiana em especial pelo seu envolvimento com a máfia. Muitas conquistas foram contestadas pelos corinthianos devido a isso. Isso não impediu que muitos desses mesmos contestadores não vissem problema algum em se associar com a máfia russa através da MSI (dinheiro roubado na Rússia durante a transição da URSS que é "considerado limpo na Inglaterra", inimiga diplomática do Kremlim. Outro exemplo foram as comemorações dos centenários dessas equipes.

Em 2010 parte da torcida alviverde foi ao jogo do seu time contra o Fluminense torcer contra o próprio time para não vê-lo ganhar um título no ano celebrado, inclusive alguns chegaram a ameaçar a integridade física dos jogadores caso eles descumprissem a ordem de perder. Ironicamente, o alviverde esse ano teve um centenário desastroso onde ao invés de disputar títulos, ficou no final da tabela e disputou para não cair, não fazendo a parte dele foi salvo pelos outros resultados, inclusive de um rival (Santos FC) que se tivesse aplicado o mesmo raciocínio, hoje teríamos o centenário clube de origem colonial italiana mais uma vez rebaixado. Outro exemplo nesse sentido é a reeleição de Eurico Miranda no Vasco. Pimenta quando nos olhos alheios, sempre é refresco, por aqui.

Acréscimos Regulamentares: Resumindo tudo isso. Peguei o futebol como exemplo pois como já disse, ele é um sincero e declarado laboratório do que acontece na vida fora dos estádios e grêmios de torcedores. Aproveitemos essa terra arrasada de campos vazios, de clubes endividados, torcidas em deformação, campos higienizados sem festa popular, futebol bem remunerado sem nenhum retorno onde cabeças de bagre ganham salários de seis dígitos e toda essa humilhação que é torcer no Brasil eu sugiro que refletirmos sobre nossa atuação na vida, na sociedade e por consequência, no futebol.

Sugiro algo tão (paradoxalmente) simples e complexo que resolveria todos os problemas acima citados: SE COLOCAR NO LUGAR DO OUTRO E NÃO FAZER AO OUTRO O QUE VOCÊ NÃO GOSTARIA QUE FIZESSEM COM VOCÊ.


P.S.: Escrevi esse artigo analisando um pouco da relação ética e futebol. citei exemplos de vários clubes grandes no brasil, mas acabei citando mais exemplos corinthianos por ser a realidade que vivo mais diretamente envolvido. Mas (infelizmente) esses exemplos se aplicam a qualquer meio, estrato ou organização social que estamos inseridos, independentemente na maioria das vezes, do da ideologia.


FONTES: http://www.espacoetica.com.br/oqueeetica
Gilles Deleuze, Espinosa: Filosofia Prática, p.23-35. Editora Escuta
http://blogdefilosofiadowolgrand.blogspot.com.br/2011/05/o-pensamento-etico-de-nietzsche-ou.html
http://esportes.opovo.com.br/app/esportes/futebol/internacional/2014/03/08/noticiasinternacionais,2727894/show-de-fair-play-jogador-confessa-penalti-cavado-e-faz-arbitro-voltar-atras.shtml
http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com.br/2007/11/filosofia-moral-tica-e-moral.html

sábado, 15 de novembro de 2014

a dança da pantera negra

Esse é o vídeo clipe completo dessa que é uma das mais famosas músicas e vídeos do "rei do pop". O que alguns não sabem é que o "king of pop" era muito politizado e que em suas letras, símbolos e coreografias defendia e abordava seus ideias, em especial da questão do racismo.

Muito forte e respeitado pelos movimentos sociais a partir do 5min30s desse vídeo que nas transmissões via TV (em especial a MTV estadunidense) ele se encerra (ou seja, foi censurado), na verdade ele continua executando um solo de dança que a pantera negra destrói símbolos racistas...

Não passarão!!!

para maiores ilustrações de alguns dos signos citados
http://pt.wikipedia.org/wiki/Partido_dos_Panteras_Negras
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nazismo
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ku_Klux_Klan

sábado, 8 de novembro de 2014

A vitória corinthiana e do futebol popular de 1914

Há exatos cem anos o Colosso alvinegro ganhava seu primeiro título da liga do Campeonato Paulista. Só por ser nosso primeiro título já deveria por si só ser lembrado e relembrado e comemorado. Mas graças a esse título temos uma nação corinthiana e nos consolidamos como time do povo e uma vital importância na popularização do esporte bretão. Encantados com o futebol apresentado pelo Corinthian FC dias antes, em 1º de setembro de 1910 fundaram o Sport Club Corinthians Paulista e com uma diretriz claramente anarquista com seu primeiro presidente aliterando uma frase de Enrico Malatesta para ser o lema de fundação do clube: "Todo poder emana do povo e é o povo que fará o poder" (em "Escritos Revolucionários") para "Esse é o clube do povo e é o povo que fará esse time". Com uma rifa e uma vaquinha compram seu primeiro material esportivo. No Bom Retiro já havia um time fortíssimo, o Botafogo, inclusive esse a base do time inicial do Corinthians. A ideia era ter um time que fosse feito pelo povo e que gerasse alegrias e orgulho ao povo. A glória era importante. Manter um time competitivo também. Joaquim Perrone, um dos cinco presentes na reunião de fundação dizia que era importante para o povo que o Corinthians fosse um time vencedor para levar alegrias e acima de tudo, orgulho ao povo sofrido, imigrante e alforriado. Discriminado e excluído dessa sociedade paulistana que ainda não mudou nada nos últimos cem anos. Entre 1911 e 1913 se manteve imbatível nos campeonatos organizados nos campos das várzeas e pleiteou entrar no campeonato da liga, o campeonato da elite burguesa paulistana. Após passar por um disputado quadrangular ele teve o direito a disputar o Campeonato da Liga Paulista de Football. No ano seguinte, comandados por Amílcar e Neco ganharam todos os jogos e levantaram o caneco contra a elite paulistana. Essa vitória do colosso alvinegro (finalmente assumiram o branco da camisa creme desbotada como cor oficial e o negro dos calções e meiões, fora seu primeiro símbolo, um C e P estilizados) foi histórica por diversos motivos.

Porque esse título foi tão importante por uma torcida que se notabilizou por dizer que troféus são detalhes e o importante é o amor ao clube em si? Porque paradoxalmente foi esse título que consolidou a insígnia corinthiana. Já havia clubes de várzea populares naquela época como o já citado Botafogo do Bom Retiro. Mesmo na Liga paulista já havia um clube operário desde 1908, o Ypiranga ou mesmo no RJ já havia o Vasco da Gama que apesar de ser da colônia portuguesa não adotava os critérios raciais da época para montar seus time ou mesmo o clube operário Bangu. A grande consolidação do time popular que levava multidões para vê-los foi a vitória de 1914, pois ela toma um ar revolucionário. A vitória dos pobres contra os ricos. A junção do povo, dos povos, contra a elite que domina.

Enfim a vitória dos corintios anarquistas e incômodos contra os cheirosos representantes que ainda hoje se incomoda em dividir o espaço com os mais pobres. Que se irrita em ver gente diferenciada dividir os espaços com eles e ter protagonismo em seus espaços antes exclusivos. A vitória corinthiana de 1914 incomodou aqueles que ainda hoje reclamam de perder um metro da rua para uma ciclovia ou de ter um metrô no seu bairro higienizado e ter pobres dividindo seu aeroporto. Essa vitória consolidou a popularização desse esporte então elitizado mas que já havia caído no gosto popular.

E ainda hoje incomoda essa gente falando alto e falando palavrão e ainda pior, gritando, é campeão, é campeão, é campeão.

Na foto, em pé: Américo, Peres, Amílcar, Aparício e Neco. Agachados: Police, Bianco e César Nunes. Sentados: Fúlvio, Sebastião e Casemiro Gonzales.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

EM RELAÇÃO ÀS ELEIÇÕES 2014

EM RELAÇÃO ÀS ELEIÇÕES 2014, ALGUMAS PESSOAS PEDIRAM MINHA OPINIÃO SOBRE O PLEITO E DEMOREI PARA RESPONDER POIS CONFESSO AINDA ESTAVA INDECISO, MAS O JOGO ESTÁ PASSANDO: ENTÃO RECOMENDO (SIMILARMENTE AO PSOL): VOTO NULO, BRANCO, ABSTENÇÃO OU EM DILMA ROUSSELF, MAS JÁ EM AÉCIO, NEVER! (JAMAIS, NUNCA MESMO). Vou novamente de 13, como na maioria das vezes na minha vida, mas como nas últimas vezes, sem emoção ou convicção (por convicção manteria a abstenção no segundo turno) para não deixar o pior ganhar.

Quem tiver preguiça de lê o texto abaixo justifica essa posição já dada acima:

Comecei o pleito com uma convicção: não iria votar em ninguém. Para que “ninguém” tivesse uma alta votação e demonstrasse para as pessoas que política vai muito além desse Grenal (vermelho x azul) eleitoral. Me abstive no primeiro turno. Até pensei votar em alguns para o legislativo mas o voto proporcional me desestimulou (no Brasil mesmo o voto nominal vai para o partido, por exemplo, se eu votasse num deputado federal do PT por exemplo que eu conheço, acompanho e admiro o trabalho, meu voto seria computado para Andrés Sanches também, por exemplo). Comecei o segundo turno com a convicção de não votar em ninguém, mas fui mudando minha visão por uma consciência: o voto melhora muito pouco nossa vida, mas pode conseguir piorar muito.

Tenho muitas e muitas e muitas críticas fortes ao governo petista e em especial a como eles permitem que em troca de poder político diversos atentados contra os direitos humanos. Mas incrivelmente a outra opção tem duas características consegue ser igual ou pior que eles em todas as pastas e se propõe a ser pior nos (cada vez mais espaçados) acertos petistas. Como diria o censurado Xico Sá ontem: “só o Aécio para ser mil vezes pior que a Dilma”.

Hoje o PT paga o preço de uma escolha ideológica: formou consumidores ao invés de formar cidadãos. Hoje o maior adepto do antipetismo é aquele que foi estimulado a comprar carro para mostrar que venceu na vida, que tem um comércio que se manteve porque nas crises o mesmo estimulou o movimento econômico ao invés de arrochos e demissões como a cartilha neoliberal normalmente sugere. Esse cara hoje “não é mais pobre” e vota contra eles porque se vê como empresário/consumidor individual não como cidadão de uma sociedade coletiva.

O discurso pró-PSDB/Aécio me empurrou do votar em ninguém para votar no “menos ruim”. Nosso congresso pela primeira vez em anos é a fiel representação da nossa sociedade: racista, machista, homofóbico, elitista e doente. Aliado a isso, ter um governo que tem como um guru econômico que defende a redução do salário mínimo, aumento de juros e a privatização de bancos públicos. Um partido que passou seus doze últimos anos jogando para uma torcida que considera dar R$ 70,00 para uma pessoa que está passando necessidades básicas como “sustentar vagabundo” mas acha normal um juiz que se dá auxílio moradia. Aí mora talvez, ironicamente o maior problema eleitoral do governo petista, a conta chegou: conciliou tanto que perdeu os votos de esquerda e os de direita continuam votando contra eles.

O governo petista tem apenas uma diferença em todos os governos no Brasil desde 1808: distribui as migalhas. E esse fato, foi uma garoa no deserto social brasileiro. O suficiente para ressurgir uma relva ou até nascer algum cacto. Não reflorestou ou irrigou o deserto. Mas lembrando que sim, jogou gotículas de água numa terra que durante séculos foi seca porquem detém o monopólio da violência e por consequência, do poder. Só isso tirou o Brasil do mapa da fome. Isso colocou estudantes pobres e de etnias discriminadas no nosso péssimo sistema de ensino. Ao dar o famigerado bolsa família no nome da mãe, deu um forte golpe no patriarcado, em especial nas regiões mais pobres onde a violência dita a força em todas as relações. Não pegou mais empréstimos com organismos internacionais que obrigam os países que os recorrem à demitir, diminuir investimentos sociais e salvar bancos. Esse mérito ninguém pode negar a eles. Tem que ter um poster do Mussolini na cabeceira da cama para achar isso ruim... Mas e realmente mudar profundamente algo? Reformar educação, reajustar dignamente a tabela do SUS, reformar infraestrutura em especial de transportes, auditorar a dívida “ex-externa” (o Brasil comprou os título de sua dívida, então sua dívida externa na realidade é interna) que a gente paga juros do juros dos juros desde 1822, consertar essa tumultuada carga tributária que onera os mais pobres que pagam tributos sobre tributos e deixa os mais ricos com impostos onde pode se deduzir tudo, reajustar a tabela do imposto de renda (R$ 2.500,00 no Brasil paga IR), combater os ataques contra minorias ou que não evoluiu na educação para a tolerância e ataques contra a natureza entre outras coisas que vejam, não estão fazendo uma reforma socialista nem nada disso, mas dentro dessa mesma regra, desse mesmo sistema não foi feito nada. Porque? Porque não quiseram? Não creio. Porque não puderam? Talvez porque não tiveram coragem de bater de frente com essa elite tacanha que temos no Brasil? Sim, isso sim. Essa elite que se recusa a dividir o bolo, essa elite que quer aeroportos privativos (nisso o Aécio elevou a outro nível, aeroporto público privativo mesmo!), aliás tudo privativo onde o dinheiro manda, essa elite hereditária que prega meritocracia que reclama de pagar direitos trabalhistas para empregados, que não constrói nada e só acumula desde 1500. Não bater de frente com eles significa que esse modelo se esgotou. Mas aí você pensa, então vamos mudar? Boa, mas estamos no segundo turno e quem é o outro candidato? Justamente o candidato dessa elite. Que nem a migalha quer oferecer. Um herdeiro dessa tradição política secular que eu citei. Um projeto de poder para devolver até as gotas que cairam fora dessa piscina privada. Não fará nenhuma das reformas acima e tem por programa devolver tudo para os ricos de forma privada, fora do estado para que não haja risco de isso ser distribuido novamente. Que tem uma base que acha que o problema do Brasil são pobres, nordestinos ou negros votarem. Temos saúde, educação e infraestrutura péssimos por conta de uma elite que pode pagar por isso que os demais não tem. Temos uma péssima distribuição de renda, um índice de desenvolvimento humano de país em guerra, por falar em guerra somos uma sociedade violentísima, pautas essas que não são objetos do interesse do neto daquele político que desde os 25 anos vive de cargos comissionados na máquina pública. Avó esse que se dispôs a ser primeiro-ministro no pré-golpe militar, em 1961. Família carioca tradicional e rica dentro de um partido que “defende” a meritocracia, que privatiza tudo a preço de chuchu as companhias que permanecem com os mesmos problemas. A chapa DEM/PSDB que são respectivamente primeiro e segundo lugar em cassassões, que aparelham o judiciário para que a casa não caia nunca, que prefere dar lucros aos acionistas da companhia de água à investir contra um desabastecimento previsto a uma década, que constrói em SP um quilometro de metrô por ano e cujo senador recém eleito diz que cartel não é crime (cartel esse que seria para “construir” o referido metrô), que recorre as medidas mesmas (privatização, socorro aos bancos e demissões) que está deixando a Europa na eminência de uma Terceira Guerra Mundial e reacordando o fascismo (a Espanha por exemplo, tem 25% de desempregados, isso mesmo, um quarto do país não tem fonte de renda).

Não citei diversas questões como a cultura que sofreu um golpe interno dentro do governo (todo o trabalho de Gil e Juca foi destruído por Ana de Hollanda, sua sucessora), os ataques ao meio ambiente e aos índios do atual governo ou mesmo a base racista de que seu concorrente tucano, assim como seus ataques a mínima liberdade de expressão perseguindo jornalistas e demitindo grevistas e (a carapulça serve para os dois agora) até porque na hora de perseguir quem vai “contra o sistema” os dois “opostos” não exitam em se unir. Mas esse artigo ficaria enorme e os partidos que em 1993 (PSDB “esqueçam tudo o que eu fiz”) e em 2002 (PT “carta aos brasileiros”) rasgaram seus programas em troca da ponta do iceberg do poder não vão mudar substancialmente sua vida oprimida de trabalhar muito, ser estremido ou ficar parado no caminho, de não ver seu filho crescer, de abandonar seus sonhos para viver, de trabalhar no que não gosta, de ter que trabalhar para sustentar aqueles que tem o dinheiro ter ainda mais dinheiro. Nada disso vai acontecer. Mas analiso que os tucanos além de não fazerem nada para mudar isso propõem piorar o pouco que os petistas fizeram e acham que fizeram a revolução por isso.

A sua vida política começa realmente dia 27 de outubro, dia depois da eleição. Agora você apenas digitará um número numa nada confiável (e nem aferível) calculadora. Depois disso aqueles que mandam continuam mandando, independentemente do número escolhido, no subterrâneo do poder. A política você fará no dia a dia ao escolher o que comer, como tratar o próximo, como se organizar em temas que impactam, em não atacar um semelhante, em simplesmente se por no lugar do outro e minimamente tentar ver o ponto de vista oposto. Se organizar para não ter que obedecer e nem mandar em ninguém, de forma que todos se olhem nos olhos no mesmo plano, ninguém em cima nem embaixo. Que seu trabalho seja sua vida e não sua morte lenta e diária. Isso sim mudará o mundo. Quebrará as fronteiras e fará você perceber que sua angustia é mesma que quem fala outra língua e nasceu do lado de lá do rio.

Digitar um número numa urna não mudará nada disso, até porque o poder é bem entralaçado para não ter perigo para que isso ocorra. Política é você quem faz no dia a dia em todos os seus gestos. Aristóteles diria que o “homem é um animal político”. É isso. Absolutamente em todos os seus gestos você está, mesmo que insconsientemente, fazendo política. Então faça, se mova, se conscientize, tenha instrumentos para não depender nem de governos nem de patrões, tenha consciência que são eles que dependem da gente, sem nós, eles terão que trabalhar (“O rico fará tudo pelo pobre, menos sair de suas costas” (Tolstói)). Construa no dia a dia. Por um mundo nem estatal, nem privado, mas mútuo e isso passa bem longe do colégio eleitoral.

Devido a isso eu vou votar no ruim para que o péssimo não ganhe. Mas quem ainda se sente desconfortável em votar no ruim, peço que não vote no péssimo (se seu Gol 2010 Flex está com defeito não troque por um Passat 1987 a alcóol, porque sim, vai piorar! E é válido um grande contingente de votos em ninguém para demonstrar que muitos já não acreditam mais nesse caminho). Para desacelerar o avanço do fascismo no Brasil. Porque sim, pode piorar e esse é o objetivo de muita gente...