Não Seja professor
VLADIMIR SAFATLE
Folha de São Paulo, 5 de maio de 2015
Quem escreve este artigo é alguém que é professor universitário há quase 20 anos e que
gostaria de estar neste momento escrevendo o contrário do que se vê
obrigado agora a dizer. Pois, diante das circunstâncias, gostaria de
aproveitar o espaço para escrever diretamente a meus alunos e pedir a
eles que não sejam professores, não cometam esse equívoco. Esta "pátria
educadora" não merece ter professores.
Um professor, principalmente
aquele que se dedicou ao ensino fundamental e médio, será cotidianamente
desprezado. Seu salário será, em média, 51% do salário médio daqueles
que terão a mesma formação. Em um estudo publicado há meses pela OCDE, o
salário do professor brasileiro aparece em penúltimo lugar em uma lista
de 35 países, atrás da Turquia, do Chile e do México, entre tantos
outros.
Mesmo assim, você ouvirá que ser professor é uma vocação,
que seu salário não é assim tão ruim e outras amenidades do gênero. Suas
salas de aula terão, em média, 32 alunos, enquanto no Chile são 27 e
Portugal, 8. Sua escola provavelmente não terá biblioteca, como é o caso
de 72% das escolas públicas brasileiras.
Se você tiver a péssima
ideia de se manifestar contra o descalabro e a precarização, caso você
more no Paraná, o governo o tratará à base de bomba de gás lacrimogêneo,
cachorro e bala de borracha. Em outros Estados, a pura e simples
indiferença. Imagens correrão o mundo, a Anistia Internacional irá
emitir notas condenando, mas as principais revistas semanárias do país
não darão nada a respeito nem do fato nem de sua situação. Para elas e
para a "opinião pública" que elas parecem representar, você não existe.
Mais importante para elas não é sua situação, base para os resultados
medíocres da educação nacional, mas alguma diatribe canina contra o
governo ou os emocionantes embates entre os presidentes da Câmara e do
Senado a fim de saber quem espolia mais um Executivo nas cordas.
No
entanto, depois de voltar para casa sangrando por ter levado uma bala de
borracha da nossa simpática PM, você poderá ter o prazer de ligar a
televisão e ouvir alguma celebridade deplorando o fato de o país "ter
pouca educação" ou algum candidato a governador dizer que educação será
sempre a prioridade das prioridades.
Diante de tamanho cinismo, você
não terá nada a fazer a não ser alimentar uma incompreensão profunda
por ter sido professor, em vez de ter aberto um restaurante. Por isso o
melhor a fazer é recusar-se a ser professor de ensino médio e
fundamental. Assim, acordaremos um dia em um país que não poderá mais
mentir para si mesmo, pois as escolas estarão fechadas pela recusa de
nossos jovens a serem humilhados como professores e a perpetuarem a
farsa.
VLADIMIR SAFATLE
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