É meu caro Cervantes*
você descreveu como me sinto
há muitos anos
Lutando contra moinhos
sem ninguém te ouvir
Você acha que
seu Quixote se fodia
Veja minha luta
e perceba o que é estar fodido
Aboli o título aristocrático
meus moinhos
hoje são usinas nucleares
Meus sonhos
minhas armas
descarregadas
Meus textos estão na gaveta
minhas músicas
silenciosamente mudas na estante
meus amores
são vias de mão única
Ninguém me quer
Ninguém me ouve
Ninguém me segue
Nem direito a um Sancho
o destino me deu
Aliás,
estou com o corpo do Sancho**
sem Rocinante***
sozinho
caminhando sem chegar
Todos me acham (ou pelo menos me tratam como)
um trouxa a ser ignorado
ou ao menos desprezado
digno de pena
dotado da solidão.
Mundo individualista
Fascistas se organizando
Fanáticos religiosos juntos
Ganhou algo, conseguiu uma estabilidade
vire-se para si:
foda-se o "nós"
só vale o "eu".
Veja, meu caro Cervantes
sozinho, gordo, baixo,
desprezado e sonhando
meus moinhos hoje são usinas nucleares
E a usina me vence
de novo
E percebo
que não sou nada
que isso me sobra
Ídolos "endireitados"
O Rock'N'Roll ficou careta
e o Sexo e Drogas
virou fuga
de um sistema onde todos
se "degladeiam cortezmente"****
Sou pobre,
não sou nobre
não sou esperto
e estou aqui
me recuperando
das batalhas perdidas
sempre perdidas
sem cortes no pulso
mas com lágrimas nos olhos
condenado pelo destino
a ter consciência
a ter consciência
a ter consciência
de que não é nada
de que não vale nada
de que todos te desprezam
de que todos te ignoram
Ninguém te ama
Ninguém te quer
Ninguém quer te ouvir
Ninguém,
nem Sancho barrigudo
Mas só resta
se preparar para a
próxima batalha
contra todos os moinhos e usinas
para perder de novo
Para minha mãe
sou uma criança
Meu pai
me achava um preguiçoso
Dulcineia
tem mais o que fazer
O mundo
não "tem coragem de ouvir"*****
Sou um chato
ninguém quer estar perto
ninguém
Só por isso
Não sou ninguém
Não tenho dinheiro
não vou ser "artista"
só me restou chorar e chorar
e chorar
O vento do moinho
bate na minha cara
regela minhas lágrimas
me mostrando:
você perdeu
você perdeu
você perdeu
sua quixotesca luta
por um mundo melhor e mais sensível
pelo amor
você perdeu
não convenceu ninguém
nem a si mesmo...
Luiz Ricas 11/05/2013 10h15 aproximadamente e revisado às 13h52
* CERVANTES, Miguel de. Autor do livro "El ingenioso hidalgo Don Qvixote de La Mancha", de 1605. Livro que satiriza os romances de cavalaria e se tornou um dos mais lidos de todos os tempos até hoje.
** SANCHO PANÇA. Fiel escudeiro de Dom Quixote de La Mancha
*** ROCINANTE. Cavalo de Dom Quixote
**** citação de verso da letra da música do Tom Zé "São, São Paulo"
***** citação de verso da letra da música do Barão Vermelho "O poeta está vivo" em homenagem a Cazuza, cujo a letra faz um paralelo da atividade do poeta com a luta quixotesca.
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